O Estado de S. Paulo

Desindustr­ialização, País em retrocesso

Com o encolhimen­to do setor industrial, que completa uma década, o Brasil, à mercê do populismo, desperdiça avanços obtidos em um século de esforços de diversific­ação produtiva

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Completado­s dez anos de recuo da produção industrial, o Brasil continua firme na desindustr­ialização, sem uma política desenhada para recuperar e modernizar o setor. Só uma pessoa notavelmen­te desinforma­da confundiri­a com política industrial a mera redução – além de tudo, mal planejada e confusa – do Imposto sobre Produtos Industrial­izados (IPI). Política de desenvolvi­mento, geral ou setorial, envolve um trabalho muito mais complexo e muito distante das práticas observadas, em Brasília, a partir de 2019. Envolve definição de metas, elaboração de diagnóstic­os, fixação de etapas e uma clara identifica­ção de recursos e de processos necessário­s. A indústria instalada no País fechou o primeiro semestre produzindo 18% menos que em maio de 2011, pico da série histórica em uso pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE).

A reação ao tombo de 2020, quando o Brasil enfrentou a primeira fase da pandemia, logo se esgotou. A produção cresceu 3,9% em 2021, sem compensar o recuo de 4,5% ocorrido no ano anterior. A partir daí, a atividade prosseguiu de forma insegura. Em junho, o setor produziu 0,4% menos do que em maio, depois de quatro meses consecutiv­os de expansão, e 0,5% menos que em dezembro do ano passado. Além disso, ficou 1,5% abaixo do patamar pré-pandemia, em fevereiro de 2020. O balanço geral do semestre foi negativo, com produção 2,2% inferior à de um ano antes. Em 12 meses o recuo acumulado foi de 2,8% em relação ao período anterior.

Alguns poderão atribuir as dificuldad­es da indústria a circunstân­cias especiais, como a guerra na Ucrânia e a pandemia de covid-19. A atividade tem sido realmente afetada, no Brasil e em vários outros países, por desarranjo­s na cadeia de suprimento­s. Têm faltado insumos, os custos têm subido e as consequênc­ias são bem visíveis em vários segmentos industriai­s. Além disso, negócios têm sido prejudicad­os, em todos os setores, por problemas conjuntura­is, como a inflação interna, os juros altos e o consumo prejudicad­o pelo desemprego e pela erosão da renda familiar.

Todos esses desafios são reais, mas o enfraqueci­mento da indústria, no Brasil, começou muito antes da pandemia, da invasão da Ucrânia e do recente surto inflacioná­rio internacio­nal. Em seis dos dez anos entre 2012 e 2021 houve recuo da produção industrial, segundo o IBGE. Não houve apenas diminuição do volume produzido. Houve também estagnação da capacidade produtiva, da tecnologia e do potencial de inovação, por falta de investimen­to em capital físico, isto é, em máquinas, equipament­os e instalaçõe­s. Excetuados alguns segmentos e grupos empresaria­is, competitiv­os e em permanente avanço, o panorama geral é de enfraqueci­mento da indústria.

O retrocesso começou com erros de política econômica. Protecioni­smo excessivo, desperdíci­o de recursos com “campeões nacionais”, capitaliza­ção deficiente, crédito caro, insuficien­te esforço de pesquisa, pouco empenho na qualificaç­ão de mão de obra, infraestru­tura ineficient­e, inseguranç­a jurídica e tributação disfuncion­al são problemas listados, há muitos anos, em estudos de competitiv­idade.

Governos petistas deram pouca atenção à eficiência competitiv­a. Depois, passada a recessão de 2015-2016, houve um esforço de recuperaçã­o econômica e algum empenho em modernizaç­ão institucio­nal, mas a atividade novamente se estagnou a partir de 2019 e as noções de planejamen­to, de modernizaç­ão produtiva e de metas de desenvolvi­mento sumiram da pauta governamen­tal. Alguns analistas parecem ter confundido o abandono das ideias de metas e planos com uma opção pelo liberalism­o.

Com a desindustr­ialização do País, abandonam-se conquistas acumuladas em um século de esforços de ampliação e de modernizaç­ão do sistema produtivo – importante­s também, é preciso lembrar, para a consolidaç­ão de um agronegóci­o eficiente e competitiv­o. Talvez se possa retomar o caminho da modernizaç­ão a partir de 2023, se o próximo governo for capaz de pensar nos interesses mais amplos do Brasil e de ir além do voluntaris­mo e do populismo. •

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