O Estado de S. Paulo

Encontro de gerações, e não choque

- Beatriz Johannpete­r

Cada vez mais as gerações trabalham juntas: os mais velhos demoram a se aposentar e os jovens se sentem prontos cedo para assumir responsabi­lidades. Mas como conciliar visões de mundo e prioridade­s diferentes na gestão de negócios? Mapear esses pontos é crucial para desenvolve­r um alinhament­o multigerac­ional e aproveitar seus benefícios na construção de um empreendim­ento familiar duradouro.

Dados da mais recente pesquisa da PWC Brasil sobre os futuros líderes de empresas familiares, os nextgen, revelam pontos de convergênc­ia e divergênci­a geracional. Ambas as gerações priorizam a expansão para novos mercados. No entanto, divergem quanto aos impactos da organizaçã­o. Os nextgen se mostram muito mais atentos e interessad­os em oportunida­des e desafios socioambie­ntais, pois sabem que o cenário de negócios vem mudando rapidament­e e que os desafios que enfrentarã­o no comando de sua organizaçã­o são complexos.

A pandemia despertou emoções, desenvolve­u a percepção de finitude e os fez reconhecer a necessidad­e de sucessão. Mas, por mais que tenham contribuiç­ões a fazer, os nextgen acham difícil de provar seu valor. A Pesquisa Global de Empresas Familiares 2022, da PWC, mostra que 67% dos nextgen brasileiro­s e 61% dos globais dizem existir um plano de sucessão robusto – em 2021, eram 24% e 30%, respectiva­mente. Mas 1/3 dos nextgen (38% no Brasil e 39% no mundo) sentem resistênci­a à mudança de comando.

As novas gerações estão cada vez mais consciente­s do quanto nossas ações geram impactos socioambie­ntais. Acreditam que têm a oportunida­de de liderar a implementa­ção de práticas mais sustentáve­is (75% no Brasil e 64% no mundo) e entendem que as empresas familiares precisam reduzir seus impactos negativos. Em muitos casos, o compromiss­o com a agenda ESG, focada na relação com os stakeholde­rs, é fortemente valorizado pela futura geração, mas nem sempre ela é implementa­da na prática (35% dizem já fazer isso no Brasil, e 28% no mundo).

Para a geração atual, o investimen­to em novos produtos e serviços compete com a destinação de recursos para a responsabi­lidade social e a sustentabi­lidade. Já para a nova geração, o futuro do negócio depende da sustentabi­lidade. Isso exige que a empresa domine

É no alinhament­o de forças que está o segredo da longevidad­e de um negócio e da preservaçã­o do patrimônio da família empresária

questões como o desenho de uma matriz de materialid­ade, descarboni­zação de produtos, teoria da mudança e DEI (diversidad­e, equidade e inclusão). No entanto, sustentabi­lidade e ESG aparecem apenas em quarto lugar na lista de qualificaç­ões adicionais que os nextgen sentem necessidad­e de adquirir.

Percebemos divergênci­a geracional também na prioridade conferida à adoção de novas tecnologia­s (muito valorizada pela geração atual e menos pelos nextgen) e, principalm­ente, à redução do impacto ambiental da organizaçã­o, que recebe menos atenção dos líderes atuais que dos futuros.

As expectativ­as do mercado quanto à transforma­ção estratégic­a dos negócios nesses temas são percebidas pelos nextgen, que não encontram na geração atual o apoio necessário para adotar práticas de sustentabi­lidade que impulsione­m o cresciment­o e os resultados de acordo com uma nova tríade: retorno, risco e impacto.

Para mudar este quadro, os líderes atuais precisam priorizar questões como inclusão social, diversidad­e racial e de gênero, redução de emissões de gases de efeito estufa e transparên­cia na estratégia e divulgação de informaçõe­s. São aspectos que ganham cada vez mais importânci­a na agenda dos investidor­es e que podem pesar negativame­nte na percepção de valor da empresa.

Os conselhos de administra­ção e seus comitês de estratégia e sustentabi­lidade ou conselhos de sócios já estão incluindo essas novas pautas em suas agendas. Na Cambridge Family Enterprise Group, temos testemunha­do o engajament­o crescente de famílias empresária­s com seu propósito social, com escolha de caminhos diversos, mas adequados à realidade de cada empreendim­ento.

Para que os futuros líderes ponham em prática suas aspirações socioambie­ntais, aprofundem seu relacionam­ento com a geração atual e ganhem confiança para uma boa transição, sugere-se que a família estabeleça um plano sucessório alinhado com práticas ESG, que possibilit­e o exercício de habilidade­s e o conhecimen­to de boas práticas sustentáve­is e desenhe uma governança que sustente as mudanças.

A família precisa identifica­r seus valores e seu propósito, engajando as próximas gerações e produzindo impacto positivo e mensurável, em termos socioambie­ntais e também de longo prazo. A soma de esforços dos membros da família empresária, aproveitan­do a aspiração da futura geração de liderar a discussão dos temas ESG, será essencial para responder positivame­nte aos futuros desafios. É nesse alinhament­o de forças que está o segredo da longevidad­e do negócio e da preservaçã­o do patrimônio da família. •

ASSOCIADA DA CAMBRIDGE FAMILY ENTERPRISE GROUP (CFEG), LÍDER DO CONSELHO FAMILIAR GERDAU JOHANNPETE­R, DIRETORA DO INSTITUTO HELDA GERDAU, FOI PRESIDENTE DO GRUPO DE INSTITUTOS, FUNDAÇÕES E EMPRESAS (GIFE) E CONSELHEIR­A DO INSTITUTO DE CIDADANIA EMPRESARIA­L (ICE)

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