O Estado de S. Paulo

Sem equilíbrio fiscal, democracia se torna mais frágil

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Não há meios de garantir o respeito aos direitos democrátic­os longe das contas do governo

Nathan Blanche e Juliana Damaceno

Respectiva­mente, sócio-fundador e economista sênior da Tendências Consultori­a Integrada

Após a investida nem um pouco discreta do atual presidente contra as urnas eletrônica­s, um grande número de empresário­s se reuniu em carta aberta para reafirmar o compromiss­o com a democracia. Ao longo deste governo, assistimos a um desmonte institucio­nal que vem nos custando caro.

Enquanto a equipe econômica surfa nas ondas da inflação e sustenta bons números nos fluxos fiscais, os estoques se acumulam e encarecem a cada nova rodada de ruídos fiscais.

Como explicar contas públicas com os resultados recordes e, ainda assim, a volta dos maiores juros na emissão de novos títulos da dívida pública desde o turbulento processo de impeachmen­t que pôs fim ao governo de Dilma Rousseff, em 2016? O custo fiscal vai muito além do impacto direto que estampa os jornais.

A cada um ponto porcentual a mais da taxa Selic, nossa dívida líquida sobe cerca de R$ 35 bilhões. Assim, só este ano, já acumulamos um incremento no estoque de R$ 140 bilhões. Isso sem considerar o custo primário das manobras eleitorais.

Além dos bilhões emplacados em furos no teto de gastos, consolidam­os um feudalismo fiscal bilionário com as emendas de relator. Para o ano que vem, essas emendas já têm espaço reservado: serão R$ 19 bilhões sendo destinados a redutos eleitorais sem a devida transparên­cia ou justificat­iva técnica.

A promessa de manter os R$ 600 do Auxílio Brasil, anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro em sua convenção há poucos dias, parece não ter sido acordada com seu próprio Ministério da Economia, que reconheceu um dia depois não haver espaço para acomodar sob o teto o nada desprezíve­l custo extra de R$ 60 bilhões.

Se levada à frente, a medida de manter o aumento do auxílio reduziria as despesas discricion­árias aos patamares insustentá­veis de R$ 70 bilhões. Um shutdown anunciado.

Para 2023, a conta extra também inclui o corte de 35% do IPI, a desoneraçã­o da folha por mais um “último” ano, os pisos salariais da enfermagem e agentes de saúde aprovados este ano, além da redução do IOF sobre operações de câmbio. O custo dessas medidas já contratada­s se aproxima dos R$ 107 bilhões e há potencial para que suba ainda mais.

O Orçamento público é o centro da democracia plena. É nele que encontramo­s as prioridade­s nacionais. Não há meios de garantir o respeito aos direitos democrátic­os longe das contas do governo. Defender a democracia também depende de reconstrui­rmos a credibilid­ade das nossas instituiçõ­es, inclusive as fiscais. •

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