Nestlé procura startups para acelerar a criação de novos produtos
Gigante dos alimentos inaugura plataforma Panela House em São Paulo, onde empresas de tecnologia poderão trocar experiências
Gigantes do setor de alimentos e bebidas cresceram acostumadas a guardar a sete chaves os segredos do sucesso. A fórmula da Coca-cola ou a receita do molho do Big Mac, por exemplo, são frutos de anos de pesquisas e inovações internas. Uma dessas gigantes, porém, decidiu abrir de vez suas portas para encontrar a fórmula ideal para a inovação.
Presente no Brasil há 100 anos, a Nestlé inaugurou ontem o Panela House, espaço aberto para startups, universidades e outros agentes desenvolverem soluções para o setor alimentício, contando com suporte corporativo, jurídico, de comunicação e até estrutura dos laboratórios da gigante. O lugar fica no próprio prédio da companhia, em Santo Amaro, Zona Sul da capital paulista.
Além disso, a Nestlé anunciou a intenção em lançar neste ano um fundo dedicado a impulsionar startups, sem revelar mais detalhes.
A companhia admite que os novos tempos exigem mais colaboração. “A Nestlé não deve nem precisa passar sozinha pela inovação nos próximos 100 anos”, diz ao Estadão Carolina Sevciuc, chefe de transformação digital da Nestlé Brasil, onde trabalha desde 2007.
“O Panela House é a concretização do sonho de fazer com que a companhia viva a inovação aberta”, observa a executiva. “É a cereja do bolo.”
PLATAFORMA. O hub de inovação e transformação digital da Nestlé, do qual o Panela House faz parte, nasceu em 2016, mas corria em ritmo mais lento do que hoje. O empurrão, como aconteceu com diversas empresas tradicionais, veio na crise da covid-19.
Inicialmente, foi criada a plataforma digital Panela, onde mais de 1,8 mil startups foram selecionadas, 150 pilotos foram pinçados e 50 projetos ganharam escala.
Um desses projetos é a criação de uma lata de aço inox retornável, evitando embalagens de plástico de uso único, vilãs da sustentabilidade. O item foi desenhado em parceria com a Nutriens, de cestas orgânicas. Por meio do site, a startup, fundada em 2017, vende produtos da Nestlé nessas latas, como aveia e achocolatado em pó.
“Essas startups trazem potência. E o impacto para o negócio fica muito mais rápido”, comenta Carolina. Ela diz que a Nestlé vem reduzindo o tempo entre a idealização e o lançamento de produtos. “É mais efetivo na maioria das vezes.”
OLHAR EXTERNO. O lançamento do Panela House não é só uma nova etapa nos projetos da companhia. A ideia é que o espaço reflita uma nova visão sobre como a Nestlé deve lidar com novas tecnologias e soluções para o mercado.
Com foco em sustentabilidade, a companhia diz que vai permitir a entrada de ideias externas, de críticas e ajustes de rota – propostas que parecem não combinar com gigantes centenários. Além disso, o espaço visa a fomentar parcerias em lançamentos – o espaço tem apoio de nomes como Distrito, Endeavor e o centro de inovação da empresa, em São José dos
Campos (SP). “Meu time nunca sai igual ao fim de uma reunião com uma startup”, diz Carolina. “A Nestlé ganha frescor ao questionar e ser questionada sobre novos produtos.”
PRESSÃO. Para o professor Gilberto Sarfati, da Fundação Getulio Vargas (FGV), grandes empresas tendem a ser mais lentas ao inovar, mas mudanças no mercado pressionam por mais agilidade – daí a necessidade por colaboração. “A relação com startups é uma oportunidade de ventilar ideias”, afirma Sarfati.
A Nestlé não é a única gigante dos negócios a apostar em uma plataforma de inovação aberta no Brasil. O setor financeiro, considerado um dos mais avançados em termos tecnológicos, já vem apostando nesse modelo: o Bradesco e Itaú possuem o Inovabra e Cubo, respectivamente, espaços de inovação para reunir empreendedores de startups em escala.
Já na área de saúde, nomes tradicionais apostam no formato para gestar boas ideias já dentro de casa, como é o caso do Eretz.bio, do Hospital Israelita Albert Einstein, e do Inova.hc, do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Já em alimentação, a BRF e a Ambev também têm seus espaços para startups. “Essas iniciativas são importantes, porque focam no problema do mercado para trazer soluções”, diz Simone Galante, da consultoria Galunion.
O desafio está em evitar o nascimento de rivais no próprio berço. “Ao fomentar essa inovação, criam-se novos negócios que podem virar um novo concorrente. Isso nem sempre pode ser controlado pela empresa”, aponta Simone. •