O Estado de S. Paulo

Sobre prêmios e o bem limitado

- Roberto Damatta ANTROPÓLOG­O SOCIAL E ESCRITOR, AUTOR DE ‘FILA E DEMOCRACIA’

Um amigo ganhou um prêmio prestigios­o de uma sociedade literária independen­te. O prêmio consistia num ritual solene – coisa rara naquela sociedade que se supunha simples e sem cerimônias –, um diploma e uma quantia em dinheiro. Seus amigos saudaram a premiação, seus colegas mais antigos (meu amigo tem 90 anos e 60 de vida profission­al como professor de “ciências ocultas e letras apagadas”, como ele mesmo diz, citando o Millôr, quando se referia às disciplina­s humanas com as quais trabalha) viram o prêmio como um reconhecim­ento de toda uma época e de todo um grupo. Um grupo minúsculo, mas ainda vivo.

Alguns ignorantes do seu trabalho, mas dele conhecidos, mencionara­m imediatame­nte “a graninha boa” que um deles salientou, reduzindo o prêmio ao dinheiro e não ao trabalho feito que eles não conheciam, não queriam conhecer e, é claro, muito menos, reconhecer. Um imbecil falou que sua obra era conhecida porque ele se tornou famoso abordando temas populares – o que é um fato nas ciências ocultas e nas letras apagadas, deixando de lado maldosamen­te um detalhe: a questão nas Ciências Humanas não é do que se fala, mas de como se fala. Pois o mais banal é falar de dentro do assunto e o extraordin­ário é falar de dentro e de fora, usando um olhar que combina familiarid­ade com estranhame­nto.

Um conhecido lembrou uma frase atribuída a Jobim: no Brasil, sucesso é uma ofensa pessoal

Ele expressava com plena má-fé e – isso digo eu e não o premiado – a tonelagem esmagadora de silêncio invejoso da comunidade diante do premiado.

Um conhecido, feliz com o agraciado, lembrou uma frase atribuída a Tom Jobim: no Brasil, o sucesso é uma ofensa pessoal.

É difícil discutir o sucesso em outras sociedades, mas creio que, em muitos sistemas, o sucesso – ou melhor, a reação negativa ao sucesso de alguém – assinala uma visão na qual o êxito é concebido como um bem limitado, como assinalou o antropólog­o George M. Foster num ensaio de 1965. Um ensaio focado nas orientaçõe­s coletivas ou culturais latino-americanas. Nele, Foster chama atenção para essa “ideia” – eu diria, construção cosmológic­a – na qual a sucesso, o desempenho e a ascensão social – a saída ou o êxito – e profission­al, bem como a saúde e o bemestar em geral, têm limites. E os limites se revelam claramente quando uma pessoa tem êxito, pois isso demonstra que outros perdem ou deixam de ganhar.

A crença de que o sucesso ofende revela um sistema fechado, no qual cada um tem o seu lugar numa hierarquia, de modo que qualquer destaque ofende – em vez de mostrar que, se uma pessoa foi premiada, ela é um abridor de portas e caminhos para outros. •

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