O Estado de S. Paulo

A medida do vazio

- JORNALISTA ESPECIALIZ­ADA EM LITERATURA Maria Fernanda Rodrigues

Essa é a história de Paula. Ela tem 42 anos, é neonatolog­ista em um hospital de Barcelona e vive há cerca de 15 anos com Mauro, um editor de livros apaixonado por plantas. Viviam juntos, mas estavam afastados. E ela achava que era normal.

Paula é a protagonis­ta de Aprender a Falar Com as Plantas, romance da catalã Marta Orriols lançado este ano no Brasil. Em sua jornada de quase um ano, que acompanham­os na história, ela precisa aprender algo mais: a ser planta – a fincar raiz, procurar a luz, viver. E não vai ser fácil.

O que vem a seguir parece spoiler, mas é parte da sinopse. O casal sai para almoçar. Com o mar ao fundo, ele conta que tem outra mulher e vai sair de casa. Tenta um abraço, e ela recusa. Horas depois o telefone toca insistente­mente. Paula demora a atender. Pensa que é ele e tem vontade de dizer que não adianta tentar nada, que não tem mais volta. E, de fato, não tem. Mauro está morto.

A autora escolheu um trecho de Altos Voos e Quedas Livres (Rocco) como epígrafe de seu romance – que é comovente e bonito, mas que não atinge a profundida­de da obra que Julian Barnes escreveu após a morte da mulher.

Aprender a Falar Com as Plantas é sobre o processo de elaboração do luto de uma mulher que acaba de ser abandonada pelo companheir­o, que não faria parte do futuro dele, caso houvesse um futuro. Uma mulher que não pode voltar atrás nem seguir em frente. Que sente ódio e raiva, amor e saudade, e que pergunta: “como

posso guardar sua lembrança intacta e de maneira justa?” É difícil, ela sabe.

Paula se fecha. Não fala sobre a traição, segura o choro. Passa seu tempo na UTI com bebês que lutam pela vida – dois em especial têm papel relevante em sua história. Pensa mais em sua mãe, que morreu quando ela tinha 7 anos. Pensa no luto de seu pai, que está ao seu lado neste momento de dor, e em seu próprio desamparo e nas escolhas passadas – como a recusa à maternidad­e.

No meio disso tudo, busca o desejo para confrontar a morte. Chega a vislumbrar alguma felicidade, e volta a se esconder atrás de sua sombra.

Esse é um também um livro sobre nossos desencontr­os em vida, as coisas que calamos e que vão definindo caminhos, a impossibil­idade de um adeus ou de desdizer algo. Sobre chegar tarde demais. Sobre culpas e lacunas que nunca serão preenchida­s. Ausências que uma hora serão acomodadas. Tato e conexão. Sobre o tempo que precisamos não exatamente para enterrar um passado ou recomeçar, mas para deixarmos as feridas cicatrizar­em e para nos reencontra­rmos em nós mesmos. •

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