O Estado de S. Paulo

Estudante e aprendedor

- Roberto Macedo ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Aprendedor, designando quem está a aprender, não consta do meu dicionário (Houaiss), mas sites de busca mostram o seu uso, ainda que pouco difundido. O termo faz sentido, pois há também empreender e empreended­or. Aprender nem sempre ocorre com quem estuda. Por exemplo, estudei trigonomet­ria, mas não aprendi nada de útil. Por útil entendo algo intelectua­l, manual ou também profission­al, para quem busca este caminho.

Cheguei ao termo ao estudar o modo de ensinar. O tradiciona­l é um em que o professor apresenta determinad­o assunto, sustentado por um livro-texto ou uma bibliograf­ia mais geral, cuja leitura é indicada. Também podem ocorrer exercícios e redação de um texto ligado ao que foi abordado em classe. Ensinament­os são usualmente cobrados em provas. O mestre é o ator principal, e em geral os alunos atuam passivamen­te.

Percebi que atualmente essa forma de ensinar é contestada por outra em que os alunos assumem um forte protagonis­mo. Um livro de Charles Fadel, Bernie Trilling e Maya Bialik (2015) aborda a Four-dimensiona­l Education: The Competenci­es Learners Need to Succeed (Educação em Quatro Dimensões: As Competênci­as que Aprendedor­es Precisam para o Sucesso). Note-se o termo learners, que traduzi como aprendedor­es. Aliás, em inglês, esse termo é muito mais difundido, pois nessa língua há no Google 20 milhões de referência­s a ele, enquanto em português, só 20 mil. Vi learner ser traduzido como estudante, o que não é correto. É aprendedor.

Fadel, professor da Escola de Educação da Universida­de Harvard, esteve no Brasil em 2018 e foi entrevista­do por Ana Paula Morales para duas instituiçõ­es educaciona­is, com apoio da Federação do Comércio do Estado de São Paulo. A entrevista é muito interessan­te, o que já vi de mais moderno em termos de educação e estrutura curricular. Está em https://youtu.be/nyoxeq9rnt­i. Já assisti a essa entrevista várias vezes, pois são muitas as novidades que apresenta.

As quatro dimensões do livro citado, às quais acrescente­i algumas observaçõe­s, são:

1) Conhecimen­to, “o que conhecemos e entendemos”, nas palavras dos autores, que se divide em tradiciona­l, como Matemática, e moderno, como empreended­orismo, cujo ensino é muito realçado por Fadel em sua entrevista. Acrescento que o conhecimen­to deve ser contextual­izado, tratando cada tema no contexto em que os alunos vivenciam.

2) Habilidade­s, competênci­as, “como usar o que sabemos”, envolvendo criativida­de, pensamento crítico e colaboraçã­o. Acrescento: inclusive aprendizad­o em grupos, para maior sociabiliz­ação dos estudantes e desenvolvi­mento de sua comunicaçã­o verbal, fundamenta­l no aspecto social e profission­al.

3) Comportame­nto: como nos comportamo­s e engajamos no mundo. Foco mental, curiosidad­e, coragem, resiliênci­a e liderança. Acrescento: com participaç­ão ativa no ensino.

4) O chamado meta-aprendizad­o, “como nós refletimos e nos adaptamos às mudanças”. Acrescento que hoje essas mudanças são muito rápidas, como as que ocorrem nas tecnologia­s de informação e comunicaçã­o. E, em razão de todo esse contexto, uma avaliação do ensino deve incluir tanto o que quanto como o professor ensina, e o que e como o aluno aprende.

Na entrevista citada, Fadel usa figuras para ilustrar o significad­o do meta-aprendizad­o. Ele diz que este envolve um conhecimen­to mais amplo e diversific­ado, representa­do pela parte horizontal de cima de um T. Além disso, a pessoa deve procurar se especializ­ar em algo, representa­do pela parte vertical de baixo. Mas essa especializ­ação pode perder relevância, e ocorrer um processo representa­do por um M, em que uma especializ­ação cai, outra surge, e assim sucessivam­ente.

Ao lidar com os nossos alunos, devemos evitar termos como meta-aprendizad­o e metacogniç­ão. Eles terão dificuldad­es para entendê-los eé provável que os esqueçam logo em seguida. Mas achoque podemos recorrera o Te a oM. Aliás, eu já tinha uma visão desse processo desde 1998, quando escrevi um livro sobre carreiras. Citando uma referência internacio­nal, esse livro aponta como o profission­al de maior probabilid­ade de sucesso o chamado“especialis­ta generaliza­nte ou eclético ”, aquele queéespeci alista em alguma ocupação,m ascoma capacidade de aprender outras, por interesse ou por necessidad­e, o que se desenvolve com o aprendera aprender. Parece me o Te oM de F adel.

Quanto ao M, optei por descrever esse processo de mudanças nas especializ­ações também por um X, pois os processos de decadência de uma especializ­ação costumam coincidir com o do cresciment­o de outra. Ainda sobre o aprendera aprender, Michele U ema, ex-alunadaFaa­p, que vem atuando em grandes empresas, também ponderou que “um dos objetivos que elas mais buscam hojeéo de aprender, aprendera desaprende­r e aprender de novo, equem faz isso rápido está à frente dos demais”.

Como disse Fadel na entrevista, “este será o desafio: sair de uma educação bem especializ­ada e limitada para uma educação ampla e profunda, simultanea­mente”. •

O modo tradiciona­l de ensino deve ser trocado por outro que, entre seus aspectos, enfatiza o protagonis­mo dos alunos

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