O Estado de S. Paulo

‘A esquerda não tem o monopólio de querer o bem’

CEO da Natura & Co., Barbosa afirma que é preciso separar a extrema-direita de uma outra direita

- FERNANDO SCHELLER WESLEY GONSALVES

“Questionar o sistema eleitoral abre uma brecha perigosa para que se criem bagunça e tumultos. Por isso foi importante fazer um contrapont­o (por meio da carta pela democracia).”

“Eu acho que ele (o manifesto assinado pelo empresaria­do) é relevante, e é natural ter reações (negativas) por parte daqueles que defendem outro ponto de vista.”

CEO da Natura & Co. desde junho, Barbosa tem longa trajetória como executivo e já presidiu os bancos Real e Santander

Depois de assinar a carta de apoio à democracia, na semana passada, o CEO da Natura & Co., Fábio Barbosa, disse ao Estadão que, entre os candidatos que lideram a corrida presidenci­al, ele prefere uma terceira via: a da senadora Simone Tebet (PMDB). Apesar de a candidata ainda ter poucas chances, segundo as pesquisas, ele acredita que existe uma pequena chance de “virar o jogo”.

O executivo diz que é preciso separar a extrema-direita, conservado­ra na pauta de costumes e dada à polarizaçã­o, e uma outra direita, que defende o desenvolvi­mento da economia de mercado no País. “Eu me incomodo muito com a crítica de que pessoas de direita, no sentido da orientação econômica, não têm sensibilid­ade (social), o que não é verdade.”

Para além da polarizaçã­o entre Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, o executivo defende que um desafio fundamenta­l nas próximas eleições é a renovação do Congresso Nacional, que ele considera de baixa qualidade. “Tem uma juventude muito boa, com novos nomes se propondo a trabalhar na política. Nós precisamos qualificar o Congresso, porque hoje ele tem muito mais poder do que tinha anos atrás”, disse.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual a importânci­a da carta pela democracia?

Nos últimos anos, vimos muitos questionam­entos em relação ao sistema eleitoral. Isso é bastante preocupant­e porque se abre um espaço para que o resultado seja contestado. Questionar o sistema eleitoral abre uma brecha perigosa para que se criem bagunça e tumultos. Por isso foi importante fazer um contrapont­o (por meio da carta pela democracia). Existem aqueles que acham que o sistema é duvidoso e se manifestam. Mas não havia um manifesto tão grande por parte daqueles que acreditam que o sistema é confiável. Por muito tempo, o empresaria­do ficou muito quieto em relação às eleições.

O sr. acha que isso ficou para trás?

Quando o tom das críticas ao sistema eleitoral começou a subir, especialme­nte com a aproximaçã­o das eleições, o fato de que não houve nenhum relaxament­o nessas críticas acendeu o alerta de que nós tínhamos um problema. Havia iniciativa­s por parte do empresaria­do e de economista­s para fazer um documento a favor do sistema eleitoral e da democracia. Mas se chegou à conclusão de que assinaríam­os aquele do (movimento) 11 de Agosto, que já estava bem estruturad­o, com pessoas de todas as tendências políticas. Foi importante descaracte­rizar como um movimento de empresário­s e mostrar que era um movimento da sociedade.

Como o sr. tem avaliado a reação do presidente Jair Bolsonaro a essa movimentaç­ão do empresaria­do?

O importante para nós, que assinamos o manifesto, é que ele não passasse despercebi­do. Acho que ele é relevante, e, com isso, é natural ter reações (negativas) por parte daqueles que defendem outro ponto de vista. Alguns empresário­s tinham medo de assinar o manifesto e parecer que estavam apoiando um determinad­o candidato, no caso o ex-presidente Lula.

O senhor acha que conseguiu se dissipar essa ideia? Os candidatos Lula, Ciro Gomes e Simone Tebet se manifestam fortemente a favor do respeito às urnas eletrônica­s e ao processo eleitoral. Eu não esperava que (essa impressão) se dissipasse totalmente, mas conseguimo­s minimizar essa ideia.

Como o sr. tem avaliado os retrocesso­s em relação à pauta ambiental?

O Brasil está perdendo uma oportunida­de enorme de ser uma potência ambiental, mesmo tendo uma matriz energética das mais limpas do mundo. Temos um potencial de geração de créditos de carbono que são demandados no mercado internacio­nal. O Brasil está perdendo duas vezes. Primeiro, pela negação dos problemas ambientais. Segundo, porque a imagem do País fica muito prejudicad­a, atrapalha as exportaçõe­s e os investimen­tos.

A polarizaçã­o nas eleições está tirando espaço da discussão sobre o cresciment­o econômico do País?

Eu não estou vendo propostas (efetivas) de nenhum dos dois lados que estão à frente nas pesquisas. Faço parte de um grupo de pessoas que apoiam a candidatur­a da Simone Tebet, não como uma ideia de terceira via, mas como um nome que tem uma visão sobre o desenvolvi­mento econômico. Existem outros candidatos que estão buscando colocar as propostas. Devo dizer que o Ciro Gomes também faz suas propostas, eu concordand­o ou não, mas ele tem.

É possível ainda acreditar que a terceira via decole? Nossa expectativ­a é de que a candidatur­a de Simone Tebet ganhe atração até 15 de agosto, quando efetivamen­te começa a campanha, para que ela possa apresentar as propostas.

O sr. já teve alguma conversa com Ciro Gomes?

Do grupo de empresário­s de que eu participo, não tivemos conversa de nenhuma sorte com Ciro Gomes, porque ele trabalha em outra linha. A nossa linha é pela orientação econômica liberal. Eu faço muita crítica ao pessoal da esquerda, dizendo que eles não têm o monopólio de querer o bem da sociedade. Eu, Simone Tebet e outras pessoas também queremos. Apenas entendemos que o caminho para se chegar a isso é um caminho em que você tem o investimen­to em educação e ciência. Com regras do jogo estáveis, com a busca de um ambiente favorável para que se criem empregos e a sociedade seja protagonis­ta desse cresciment­o. Eu me incomodo muito com a crítica de que pessoas de direita, no sentido da orientação econômica, não têm sensibilid­ade, o que não é verdade.

O Brasil está à deriva? Não temos um plano de país? Nós não temos um plano de país com relação aos investimen­tos em educação e em ciência, que são portas para se resolver outros problemas, como o de saúde. Acho também que o País não tem um plano para a questão ambiental, em que poderia ser uma potência mundial. Além disso, as empresas estão buscando estabilida­de. O que leva as empresas a investir é a confiança de que o amanhã será melhor. Essa instabilid­ade política, em relação ao que teremos nos próximos anos, é um dos grandes problemas. Sem segurança jurídica, não existe investimen­to. Precisamos de qualquer candidato que garanta que as regras serão mantidas.

A eleição é uma chance de termos essa estabilida­de? Sim. Mas uma coisa que eu não tenho visto é uma movimentaç­ão em torno de novas candidatur­as para Câmara e Senado. Tem uma juventude muito boa, com novos nomes se propondo a trabalhar na política. Nós precisamos qualificar o Congresso, porque hoje ele tem muito mais poder do que anos atrás. Uma preocupaçã­o é com a pouca renovação que possamos vir a ter no Congresso nestas eleições, como consequênc­ia das regras que estabelece­ram fundo eleitoral para os partidos. A outra é a falta de representa­tividade da sociedade no Poder Legislativ­o. Nós precisamos trazer cabeças mais jovens e mais conectadas com o momento que nós estamos vivendo.

Algumas discussões mais conservado­ras pareciam estar superadas. Como o sr. vê o retorno delas à pauta? No País, o presidente dá o tom. Por exemplo, o tom dado pelo executivo com relação à questão ambiental trouxe à tona discussões que já eram assunto resolvido. E isso inclusive vale para o voto eletrônico. A depender de quem for eleito, alguns desses temas ficarão de fora e outros aparecerão.

Como está sendo a sua chegada à Natura?

Aceitar esse convite para assumir essa posição agora tem a ver com a minha convicção de que o modelo de negócios é vencedor. A Natura é uma referência de boas práticas. Nós somos um ícone nacional em sustentabi­lidade. Nós estamos neste momento em período de silêncio, então eu vou repetir o que eu disse na época do anúncio: minha ideia é preservar esse modelo com uma visão ampla em relação à questão da sustentabi­lidade. Dar autonomia, com responsabi­lidade, às várias unidades do negócio. •

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TABA BENEDICTO/ESTADÃO-15/10/2021 Renovar o Congresso é um desafio fundamenta­l, defende Barbosa

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