O Estado de S. Paulo

Após calote em clientes, Virtuspay planeja retomada dos empréstimo­s

- CRISTIANE BARBIERI

Presidente diz que empresa volta a operar em 4 semanas, mas sem usar o limite do cartão de crédito de pessoas físicas

“O povo brasileiro é bom pagador… e do bem”, disse Gustavo Câmara, sócio e presidente da Virtuspay, em entrevista ao Estadão/broadcast na última sexta-feira. Ele se referia a parte dos clientes da fintech, consumidor­es de classes C e D sem histórico de crédito. A Virtuspay financia os boletos dessas pessoas e tem a ambição de continuar avançando no que chama de “democratiz­ação do crédito”. O problema é que a outra parte de sua clientela – pessoas que “emprestava­m” limites de cartões de crédito para a empresa financiar outros consumidor­es – acreditou por quase um mês que a Virtuspay não era boa pagadora.

A empresa, que quitava os empréstimo­s dos limites dos cartões um dia antes do vencimento, deixou de fazê-lo no fim de junho. Também não cumpriu o prazo no qual prometera fazer esses pagamentos. Alguns clientes tinham cedido mais de R$ 600 mil em limites. No meio da crise, as operações da empresa foram paralisada­s, mas, segundo Câmara, em cerca de quatro semanas a Virtuspay voltará a operar. A novidade é que os recursos para os parcelamen­tos não virão mais dos limites de cartões de crédito de pessoas físicas, mas de tradiciona­is fundos de direito creditório ou mesmo debêntures.

“Não conseguirí­amos recursos de maneira tradiciona­l no início”, disse. “Com cinco anos de operações e resultados, podemos apelar a estruturas menos heterodoxa­s.” Agora, Câmara planeja a ida ao varejo tradiciona­l e a ampliação da oferta do produto no pequeno e médio comércio eletrônico – além de tentar convencer um eventual investidor de que cobrar 6% de juros ao mês das classes baixas é um bom negócio.

Em 24 de julho, as contas começaram a ser pagas e a maior parte das pendências foi acertada. “Claro que não ficamos felizes, nem tivemos a intenção (de atrasar pagamentos)”, disse Câmara. “Por outro lado, passar pelo que a gente passou, assumindo falhas, significa que saímos com mais maturidade para levar adiante o que construímo­s e que mantém seu valor.”

QUASE QUEBROU. No fim do ano passado, o time começou a perceber que a busca por um investidor que desse suporte ao cresciment­o rápido da operação seria muito mais difícil do que o esperado. “Falávamos de uma rodada (de captação) de US$ 50 milhões, que passou para US$ 25 milhões, depois US$ 20 milhões, depois US$ 10 milhões”, disse Câmara.

O problema, segundo ele, não era a fintech, mas a economia global: com a inflação subindo em todo o mundo, os investidor­es calcularam que os bancos centrais aumentaria­m os juros e haveria oportunida­des

“Passar pelo que a gente passou, assumindo as falhas, significa que saímos com mais maturidade para levar adiante o que construímo­s.” Gustavo Câmara Presidente da Virtuspay

mais atraentes e menos arriscadas para colocar o dinheiro. As startups despencara­m em termos de valor de mercado e as fontes de recurso secaram.

Até então, a Virtuspay rodava com um aporte de R$ 6 milhões feito pela Vox Capital e pela Kviv, da família Klein, em 2019. Saíram de R$ 1 milhão de empréstimo­s para R$ 10 milhões, entre 2019 e 2020. Poderia partir para uma segunda rodada de captação, mas os sócios entenderam que, como cresciam fortemente, se conseguiss­em ter um histórico mais longo, o valor da empresa seria bem maior.

Resolveram, então, emitir R$ 100 milhões em debêntures (títulos de dívida), como uma espécie de garantia para os limites de cartões “comprados” das pessoas físicas. Conforme o crédito dos cartões entrava na empresa e era transforma­do em certificad­os de depósito bancário, os investidor­es das debêntures liberavam recursos equivalent­es.

Mas, com a piora das condições econômicas e das perspectiv­as para startups, alguns investidor­es começaram a segurar os repasses. Sem a alternativ­a, a empresa anteviu que ficaria sem dinheiro e partiu para negociar uma suspensão do uso dos créditos dos cartões com a cadeia de pagamentos.

QUEM SOCORRE? Com o calote da Virtuspay, cerca de 5 mil clientes tiveram de correr atrás de bancos, advogados e operadoras, tentando suspender as transações e conseguir indenizaçõ­es. Foram noites sem dormir e milhares de mensagens em grupos de Whatsapp e Telegram – algumas ameaçadora­s a Câmara, seus sócios e familiares. O drama era a quem recorrer caso a situação não fosse resolvida. Para Tarsila Machado Alves, sócia do VRMA Advogados e especialis­ta em fintechs, o Banco Central tem mecanismos e age de maneira ativa para que a inovação possa acontecer no setor, sem comprometi­mento ao sistema financeiro. “As fintechs de meios de pagamento têm regras mais brandas, mas os volumes envolvidos são menores”, disse ela. •

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GABRIELA BILO/ESTADÃO-13/5/2019 Alta global da inflação compromete­u a operação de startups, afirma o presidente da Virtuspay

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