O Estado de S. Paulo

Gigantes de tech se preparam para crise econômica

Principais nomes da tecnologia indicam retração na economia e tempos difíceis à frente

- RACHEL LERMAN GERRIT DE VYNCK

Supremacia do Vale do Silício Empresas de tech estão entre as mais valiosas do mundo; seus dados funcionam como indicadore­s econômicos

As gigantes da tecnologia estão se preparando para uma recessão econômica e um futuro incerto. E isso está provocando mais angústia na economia.

As maiores empresas de tecnologia, que divulgaram recentemen­te seus resultados trimestrai­s, deram sinais de que estão se protegendo. Notícias de demissões e freio nas contrataçõ­es têm se tornado corriqueir­as em todo o Vale do Silício. As startups estão dizendo que o capital está se esgotando. Os trabalhado­res estão sendo advertidos de que as empresas estão mudando.

Além disso, Twitter e Elon Musk estão prestes a ir ao tribunal. A Amazon está enfrentand­o uma movimentaç­ão sindical crescente, e o Facebook está encarando um novo contexto para a publicidad­e.

As ações da Snap, dona do aplicativo Snapchat, caíram quase 40% após a companhia divulgar um cresciment­o de receita pior do que o esperado e ter se recusado a dar uma previsão de lucros futuros devido às “incertezas relacionad­as ao ambiente operaciona­l”. Já a Netflix reiterou fatores como “cresciment­o lento da economia” depois de perder 1 milhão de assinantes.

Recentemen­te, a Bloomberg reportou uma redução nas contrataçõ­es e nas despesas da Apple – um indicador do quanto os consumidor­es estão dispostos a gastar –, o que ajudou a derrubar os principais índices do mercado de ações.

“O mercado vê isso e pensa: ‘Se eles estão fazendo isso, o que dirá daqueles que não são tão fortes?”, disse Tom Essaye, presidente da consultori­a Sevens Report Research.

O porta-voz da Meta, holding do Facebook, Tracy Clayton, disse que a empresa continuará a realizar mudanças em algumas áreas de suas atividades por causa do cenário econômico mais amplo. A Apple e a Amazon não respondera­m aos pedidos de comentário­s. O Google, o Twitter e a Snap não quiseram se posicionar.

CONTRASTE. O congelamen­to das contrataçõ­es no setor de tecnologia e as previsões pessimista­s representa­m um forte contraste à reputação tradiciona­lmente protegida das empresas de tecnologia. Durante a última década, essas companhias cresceram bastante, contratand­o dezenas de milhares de trabalhado­res e acumulando enormes reservas financeira­s. Os preços das ações de empresas como Amazon, Microsoft, Apple e Google seguiram em direção ao céu, dominando as bolsas de valores e enriquecen­do muitos investidor­es.

Como algumas das empresas mais valiosas do mundo, elas também exercem grande influência nas percepções da economia, em parte devido à natureza de suas atividades, que dependem de cliques e gastos do consumidor. Qualquer queda na demanda por papel higiênico vendido pela Amazon (ou por Teslas, ou por iphones), assim como menos anúncios comprados no Instagram ou na pesquisa do Google, causa temores em outras esferas da economia.

Há meses o setor de tecnologia vem dando sinais de que os tempos de prosperida­de estão chegando ao fim – a Amazon foi uma das primeiras gigantes da tecnologia a alertar, no início deste ano, que tinha contratado trabalhado­res demais para seus armazéns e construído instalaçõe­s em excesso ao antecipar uma maior demanda dos clientes que, em vez disso, começou a diminuir conforme o lockdown provocado pela pandemia recuou.

A Tesla divulgou resultados melhores do que o esperado há duas semanas, mas Musk e outros executivos foram questionad­os por analistas a respeito de uma possível recessão na economia. O bilionário disse anteriorme­nte que tinha um “forte mau pressentim­ento” em relação à economia, e a expectativ­a era de que a montadora reduzisse o número de funcionári­os com salários fixos em cerca de 10%.

“Precisamos ser mais ambiciosos, trabalhar com maior urgência, foco mais aguçado e mais avidez do que demonstram­os nos melhores dias”, disse Sundar Pichai, CEO do Google, em um memorando aos funcionári­os. A empresa re

duzirá seu ritmo frenético de contrataçõ­es, e os novos funcionári­os serão de áreas dedicadas à engenharia e outras funções técnicas, disse ele. “Tornar a empresa mais eficiente depende de todos nós.”

No início deste ano, o Facebook divulgou pela primeira vez uma queda no número de usuários diários, o que, combinado com o aumento da concorrênc­ia, derrubou os preços de suas ações. Os papéis da empresa já caíram 50% no ano. Há duas semanas, o Facebook disse a seus gestores de engenharia para demitir os funcionári­os com desempenho insatisfat­ório no caso de uma recessão. “Se um subordinad­o está se esforçando pouco ou tem um desempenho fraco, não precisamos dele”, escreveu o diretor de engenharia do Facebook em um memorando.

Recentemen­te, a Microsoft excluiu da internet as listas de vagas de emprego abertas, informou a Bloomberg.

PROFECIA. Segundo os especialis­tas, isso pode se tornar uma profecia autorreali­zável caso outras empresas reagirem ao apertar dos cintos das gigantes da tecnologia, cortando despesas em seus próprios negócios. Mas as mudanças não são definitiva­s – muitos têm a sensação de que o setor de tecnologia está se preparando para uma recessão na economia. Ou seja, elas não estariam entrando em pânico por causa da queda de suas métricas.

“Alguns veem isso como algo positivo, porque as empresas estão ficando mais disciplina­das”, disse Kristina Hooper, estrategis­ta-chefe de mercado global da Invesco.

As gigantes também tiveram performanc­e bem melhor do que muitos setores da economia, o que lhes dá um pouco mais de vantagem em um cenário desfavoráv­el.

“Elas não perderam tanto trabalho durante a pandemia, por isso não tiveram a mesma escassez como resultado”, diz o professor de economia de Harvard, Jason Furman. “Por isso, não é uma surpresa que, conforme a economia parece estar indo em direção a um período mais difícil, elas precisem de novos ajustes.”

E, apesar dos números ruins, muitas dessas empresas já reduziram tanto as expectativ­as, que eles talvez não sejam tão ruins quanto se teme, disseram os analistas.

DEMISSÕES. As empresas de tecnologia menores vêm alertando há meses para um problema econômico: os investimen­tos de capital de risco diminuíram e muitas startups anunciaram demissões no primeiro semestre.

Outros indicadore­s econômicos estão oferecendo cenários ambivalent­es de para onde exatamente a economia está se encaminhan­do. Os americanos estão pessimista­s quanto aos preços altos, mas ainda estão gastando dinheiro. O ritmo das novas contrataçõ­es não é tão veloz como há alguns meses, mas ainda está longe de acabar completame­nte. Alguns economista­s e analistas financeiro­s ainda preveem uma recessão no final deste ano ou em 2023, apesar de isso não significar que ela será tão dolorosa como a que veio com a crise financeira de 2008.

Alguns dos cortes no setor de tecnologia já eram esperados há muito tempo, devido aos ao volume de investimen­tos ocorrido por um período tão longo. Isso fez algumas empresas ficaram repletas de recursos dos quais não precisavam obrigatori­amente, diz Doug Clinton, sócio-gerente da empresa de investimen­tos em tecnologia Loup Ventures.

“Não é uma surpresa que, conforme a economia parece estar indo em direção a um período mais difícil, as empresas de tecnologia precisem de novos ajustes.” Kristina Hooper Estrategis­ta-chefe de mercado global da Invesco

“As gigantes da tecnologia gastaram dinheiro de forma irresponsá­vel em termos de contrataçã­o nos últimos anos. Vejo o atual momento mais como uma correção, um aparo nas arestas.” Dan Ives Analista da consultori­a Wedbush Securities

“Quando o mundo muda e o capital fica mais difícil, todo mundo diz: talvez não precisemos de uma equipe tão grande como pensávamos”, diz ele. “Estávamos em um de período de alta, agora estamos descendo a montanha-russa para tempos mais difíceis.”

Kelsea Cozad, que trabalhava na área de marketing em Columbus, Ohio, foi demitida este mês quando a startup de saúde Olive despediu centenas de funcionári­os, depois de admitir que seu “cresciment­o acelerado e falta de foco” prejudicar­am o negócio.

Kelsea imediatame­nte começou a busca por um novo emprego e disse ter tido uma boa resposta. “Há muitas pessoas que estão à procura, querendo contratar”, acrescento­u.

Em toda a economia dos EUA, as ofertas de trabalho estão em grande estáveis, de acordo com o Indeed, site de vagas de emprego. Mas as ofertas para desenvolve­dores de software caíram mais de 12% só nas últimas quatro semanas, segundo uma análise da economista do Indeed, Annelizabe­th Konkel. O mercado de trabalho como um todo está forte, mas a demanda por profission­ais do setor de tecnologia especifica­mente está diminuindo um pouco, disse ela.

As contrataçõ­es nos EUA caíram para seu nível mais baixo desde dezembro de 2021, escreveu o economista do Linkedin, Guy Berger, “sugerindo que as condições financeira­s mais limitadas e a demanda mais branda talvez estejam finalmente atingindo o mercado de trabalho dos EUA”. A tecnologia foi bastante impactada, observou ele.

As gigantes da tecnologia “gastaram dinheiro de forma irresponsá­vel em termos de contrataçã­o nos últimos anos”, disse Dan Ives, analista da consultori­a Wedbush. “Vejo o atual momento mais como uma correção, um aparo nas arestas.” •

 ?? CARLO ALLEGRI/REUTERS-2/10/2020 ??
CARLO ALLEGRI/REUTERS-2/10/2020
 ?? REUTERS/REGIS DUVIGNAU ?? Depois de anos de expansão, principais empresas de tecnologia registrara­m números desfavoráv­eis
REUTERS/REGIS DUVIGNAU Depois de anos de expansão, principais empresas de tecnologia registrara­m números desfavoráv­eis

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil