O Estado de S. Paulo

Pedágio barato que sai caro

- André Marins Bogossian ADVOGADO

No final do mês de junho o Estado de São Paulo decidiu não conceder o reajuste anual de 2022 às concession­árias de rodovias. A justificat­iva foi a alta de preços, principalm­ente dos combustíve­is, que tornaria “impensável” onerar o bolso dos paulistas com aumentos de aproximada­mente 10%. Se a decisão foi fruto de cuidadosa análise ou se não passa de (mais uma) manifestaç­ão de populismo tarifário (que usualmente tem como alvo preferido justamente o direito ao reajuste) não é o objeto desta reflexão.

Importa mais perceber que o governo paulista, detentor de um dos programas mais renomados de concessões do País, logo tentou minimizar o prejuízo causado afirmando, dias após, que o represamen­to do reajuste seria compensado com o pagamento de indenizaçõ­es bimestrais até que o reajuste fosse implementa­do, o que deve ocorrer até o fim do ano de 2022. Ou seja, o Estado reconheceu que causou um desequilíb­rio econômico e financeiro, mas prometeu um reequilíbr­io fazendo uso dos mecanismos contratuai­s. A alardeada preocupaçã­o do governo com o “cumpriment­o dos contratos” seria, na verdade, uma promessa de descumprim­ento mitigado.

O caso demonstra a importânci­a que tem nos contratos de concessão a efetividad­e do sistema de reequilíbr­io econômico-financeiro. Ele tem por objetivo promover compensaçõ­es às partes afetadas por riscos que não foram a elas atribuídos pelo contrato, e confere concretude ao direito à “manutenção do equilíbrio econômico-financeiro” previsto na Lei de Concessões, a Lei n.º 8.987/1995. Desse direito decorrem dois corolários: a tempestivi­dade e a completude dos reequilíbr­ios.

A recomposiç­ão do equilíbrio deve ser tempestiva, a mais célere possível, a fim de que o equilíbrio seja “sempre” mantido, como exige a lei. Não pode a concession­ária ser obrigada a permanecer com o contrato desequilib­rado, obviamente relevando-se a razoável duração dos procedimen­tos administra­tivos de revisão contratual. Mais do que isso, o primeiro corolário do direito ao equilíbrio econômico-financeiro demanda soluções que não submetam as partes do contrato a longos e tortuosos litígios de qualquer espécie. De nada servirá recompor o equilíbrio ao fim do contrato, pois até lá poderá já ter restado inviabiliz­ado todo o projeto.

Além de tempestivo, o reequilíbr­io deve ser completo: não se deve dar apenas sob a perspectiv­a econômica (o respeito à rentabilid­ade esperada do projeto), mas também sob a perspectiv­a financeira (relativa à liquidez).

O primeiro elemento da completude é mensurado pela taxa de desconto contratual – usualmente, a taxa interna de retorno de projeto –, que faz as vezes de uma “taxa de juros” a remunerar o capital empregado pelo particular em bens e serviços públicos. Sob esse aspecto, o reequilíbr­io não é uma garantia de retorno à concession­ária, mas apenas uma proteção para que, em sua legítima busca por rentabilid­ade, ela não seja afetada por fatos correspond­entes a riscos que não foram a ela alocados.

Já em relação ao aspecto financeiro, é preciso considerar que por vezes os impactos no fluxo de caixa da concessão causados pelo desequilíb­rio podem levar a uma perda de liquidez e à piora dos seus índices financeiro­s. Trata-se de salvaguard­ar o cumpriment­o de obrigações de longo e curto prazos.

Caso os mecanismos de reequilíbr­io não sejam efetivos, segundo esses corolários, o poder concedente e os usuários possivelme­nte acumularão uma dívida mais cara ainda com a concession­ária, tendo em vista a aplicação da taxa de desconto para o cálculo do reequilíbr­io represado ou incompleto. Ou, pior, sofrerão com a redução da capacidade de investimen­to e operaciona­l da concession­ária. No setor de rodovias, isso pode se traduzir em deterioraç­ão do pavimento, o que significa menores conforto e segurança aos usuários.

O sistema de reequilíbr­io econômico-financeiro é, portanto, o instrument­o contratual de gerenciame­nto de riscos por excelência. Ele protege contra efeitos adversos de riscos que não foram alocados às partes por eles afetadas, inclusive de riscos políticos e institucio­nais, como o de descumprim­ento do direito ao reajuste. Para que seja efetivo, o direito à manutenção do equilíbrio exige uma compensaçã­o tempestiva e completa – em benefício da concession­ária, do governo e dos usuários. Caso contrário, se a dívida para com a concession­ária for acumulada, o contrato pode até se tornar “irreequili­brável”, exigindo soluções mais drásticas.

Mas a atuação do sistema de reequilíbr­io é apenas interna à concessão, voltada para a proteção do equilíbrio formado pelas condições do contrato. Não protege contra outros efeitos adversos dos riscos institucio­nais, verificado­s numa perspectiv­a mais ampla e de longo prazo. É que a percepção de inseguranç­a jurídica e o receio de um descumprim­ento sistemátic­o de cláusulas essenciais ao equilíbrio dos contratos podem ser precificad­os pelo mercado, “encarecend­o” as tarifas cobradas dos usuários em futuros leilões, e, no limite, afetar o sucesso dos programas de concessões. •

Inseguranç­a jurídica pode ‘encarecer’ tarifas e, no limite, afetar o sucesso futuro dos programas de concessões

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