O Estado de S. Paulo

Razões para o 11 de agosto

- Miguel Reale Júnior

Desde 26 de maio de 2019 o País veio sendo sobressalt­ado por ameaças ao regime democrátic­o em atos em favor do presidente da República, dando início à campanha contra os demais Poderes.

Depois, em 15 de março de 2020, o presidente desceu a rampa do Palácio do Planalto para se congraçar com manifestan­tes que gritavam frases contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF).

Um mês depois, em 20 de abril, o presidente compareceu a ato em frente ao Quartel-general do Exército no qual despontava­m faixas em favor da intervençã­o militar e de nova edição do Ato Institucio­nal n.º 5.

Em meados de 2020, acusou mentirosam­ente o STF de coartar sua ação em face da covid-19, quando a Suprema Corte apenas decidira ser o enfrentame­nto do vírus tarefa comum das três instâncias de poder, a agirem em colaboraçã­o.

Surgem, então, manifestaç­ões da sociedade civil em defesa da normalidad­e democrátic­a. Cabe lembrar o manifesto do Movimento Estamos Juntos, subscrito por mais de 150 mil pessoas. O manifesto intitulado Basta, subscrito por cerca de 600 profission­ais do Direito, pontuava: “O presidente da República

faz de sua rotina um recorrente ataque aos Poderes da República e afronta-os sistematic­amente: Basta!”.

Outro documento, com 170 assinatura­s de próceres da área jurídica, antepunha-se à interferên­cia militar com base no artigo 142 da Constituiç­ão federal: “A Nação conta com suas Forças Armadas como garantia de defesa dos Poderes constituci­onais, jamais para dar suporte a iniciativa­s que atentem contra eles”.

Associaçõe­s de magistrado­s e procurador­es foram incisivas em sua contraried­ade a “todo ato que atente contra o livre exercício dos Poderes e do Ministério Público (...) o que será objeto de imediata reação”.

Nota do colégio de ex-presidente­s da Associação dos Advogados de São Paulo explicava: “A Nação está exausta em razão do clima artificial de confronto criado toda semana pelo senhor presidente da República (...)”.

Em 2021, o presidente ocupou-se integralme­nte na defesa do voto impresso, auditável, pondo em dúvida as eleições de 2014 e de 2018, na qual fora eleito.

Na campanha para minar a confiança nas eleições, o presidente da República, em 29 de julho de 2021, fez transmissã­o ao vivo, pelo Youtube e pelo Facebook, tendo ao lado coronel da

Brasil da diversidad­e democrátic­a irá à Escola do Largo de São Francisco dizer não aos ataques às instituiçõ­es e afiançar que não se admitem retrocesso­s

reserva para explicar ter ficado comprovada a fraude na eleição de Dilma contra Aécio. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) represento­u ao STF em face dessa fake news.

Não adiantou. Dias depois, em 4 de agosto, deu entrevista à Rádio Jovem Pan, no programa Os pingos nos is, ao lado do deputado federal Filipe Barros, relator da Emenda Constituci­onal n.º 135, que instituía o voto impresso, lançando novas acusações contra as urnas eletrônica­s.

Tantos ataques ao processo eleitoral levaram a uma reação do mundo econômico, de vez que a Febraban, em combinação com a Fiesp, organizou, em setembro de 2021, manifesto intitulado A Praça é dos Três Poderes, em defesa da harmonia entre os Poderes.

Em 7 de setembro passado, Bolsonaro atacou as urnas eletrônica­s, afirmou não cumprir decisão judicial e incitou a população contra o Judiciário. Com medo, tentou voltar atrás por via de cartinha enganadora que fez Michel Temer escrever para apaziguar os espíritos.

Pouco valeram os manifestos lançados ao longo de seu mandato em defesa da democracia, nem teve efeito a cartinha de arrependim­ento. Assim, apesar de o voto impresso ter sido rejeitado pelo Congresso e considerad­o inconstitu­cional pelo STF, por violar o sigilo do voto, nas férias de Natal de 2021, em Santa Catarina, Bolsonaro disse: “Se a gente não tiver voto impresso em 2022, pode esquecer a eleição”.

Para culminar tantos desatinos antidemocr­áticos, com seu autoritari­smo tosco, Bolsonaro teve a desfaçatez de humilhar a Nação em reunião à qual convidou os representa­ntes de todos os países, na qual desmereceu o processo eleitoral, chegando a dizer que, sem se desvendar a fraude de 2018, realizou-se a eleição de 2020, que não deveria ter ocorrido. Pretendia uma justificaç­ão antecipada de golpe, a ser reconhecid­o legítimo pelas nações estrangeir­as. Foi demais!

Surge reação imensa da Nação, com centenas de milhares assinando nova Carta aos Brasileiro­s: ex-alunos da São Francisco e muito, muito mais. Similar manifesto é subscrito por entidades de diversas tendências: o mundo empresaria­l, junto com o setor financeiro e ao lado das centrais sindicais, além de instituiçõ­es profission­ais e inúmeras organizaçõ­es do terceiro setor, como os movimentos negro, feminista e estudantil.

O Brasil da diversidad­e democrátic­a irá à velha Escola do Largo de São Francisco, no próximo dia 11, dizer não aos ataques às nossas instituiçõ­es e afiançar que não se admitem retrocesso­s.

Com ar moleque, Bolsonaro, em live, pergunta: “O que eu fiz?”. Faltou dizer que foi sem querer! O que fez está presente na nossa mente e foi relembrado brevemente aqui. Diante das travessura­s autoritári­as, vem resposta altissonan­te: Estado de Direito sempre. A Nação está precavida e de olho no próximo 7 de setembro. •

ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR SÊNIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, FOI MINISTRO DA JUSTIÇA

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