Antigo escritório de Delfim Netto vira QG de Lula
Anúncio de apoio de Janones ao petista foi o primeiro ato no imóvel, que pertenceu ao ex-ministro e foi alvo de buscas
A campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) passou a ter como QG uma casa que pertenceu ao ex-ministro da Fazenda da ditadura militar Delfim Netto, no Pacaembu, zona oeste de São Paulo. Em uma área de 1,4 mil metros quadrados, perto do estádio, a residência foi adquirida pelo ex-ministro do “milagre econômico” em 1988, por 18 milhões de cruzados e foi usada por décadas como o escritório de sua empresa de consultoria.
O imóvel segue em nome da Capres Participações, que foi aberta por Delfim nos anos 1980. O ex-ministro, porém, deixou a sociedade em 2020. Na documentação, consta apenas que Delfim e seu falecido sócio venderam aos novos sócios suas cotas por R$ 680 mil. Não há registro de como foi feita a transação do imóvel dos antigos para os novos sócios nem sobre a área construída.
Hoje, na região – uma das mais caras –, o custo médio do metro quadrado é de R$ 9.559. Com tijolos e pedras cinza na fachada e telhado inclinado, o imóvel de dois andares fica no centro de um amplo jardim. Aos 94 anos, Delfim tem morado em seu sítio, em Jundiaí (SP).
Com muros baixos, o imóvel contradiz as preocupações de caciques petistas com a segurança de Lula. Para onde vai, o ex-presidente é acompanhado por seguranças e agentes da Polícia Federal. Além deles, a casa também é protegida por um vira-lata branco de manchas pretas que rosna e late para qualquer um que se aventure a passar perto do portão e das cercas.
O PT afirmou que o contrato foi assinado pelo partido “conforme a legislação eleitoral, que prevê esta situação a partir de 20 de julho do ano eleitoral, depois de realizada a convenção partidária”. O partido, no entanto, não informou o valor pago pelo aluguel.
“As condições contratuais foram estabelecidas com a empresa proprietária do imóvel, em condições de mercado e atendendo às finalidades pretendidas pelo locador. Os valores serão informados à Justiça Eleitoral, que os divulgará conforme a lei”, disse a legenda, por meio de nota da assessoria de imprensa. A reportagem não localizou o ex-ministro.
Placa com alusão ao escritório do ex-ministro Delfim Netto
BUSCAS. Em dezembro de 2018, a casa chegou a ser alvo de buscas e apreensões na Lava Jato. A operação foi batizada de Buona Fortuna, em referência a uma das empresas do ex-ministro. Os investigadores suspeitaram que Delfim recebia propina por meio de consultorias prestadas por seu sobrinho Apolônio Delfim Netto, que chegou a admitir que recebeu R$ 240 mil em espécie por consultorias à Odebrecht.
O dinheiro teria como origem contratos de empreiteiras para a construção da Usina Belo Monte, no Pará, obra conduzida no governo Dilma Rousseff (PT) e contestada por indígenas e ribeirinhos. Em delação premiada, executivos da Andrade Gutierrez relataram o pagamento de propinas de R$ 15 milhões a Delfim. Uma denúncia chegou a ser oferecida, mas o caso acabou transferido para a Justiça Eleitoral e voltou à estaca zero. Não houve nova acusação do MP, desde então.
O primeiro evento após a migração de petistas para o novo QG ocorreu anteontem, para anunciar a retirada da candidatura do deputado André Janones (Avante), que anunciou apoio ao petista. Compareceram o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB) – vice de Lula na chapa –, e caciques petistas como Gleisi Hoffmann e Jaques Wagner. Ex-líder do governo Dilma na Câmara, Cândido Vaccarezza (Avante) também esteve por lá. Inicialmente, não foi reconhecido por seguranças, e aguardou debruçado sobre o portão até que fosse liberado.
De integrante do governo militar signatário do Ato Institucional
N.º 5 (AI-5), o economista ganhou o papel de conselheiro de Lula durante seu governo e, em 2006, chegou a ser cotado para ser ministro do segundo mandato petista. Nunca aconteceu. No ano passado, Delfim declarou que Lula venceria a eleição de 2022 no primeiro turno.
Nos bastidores, o ex-ministro passou a ser tratado no Palácio do Planalto também como interlocutor de Antonio Palocci. Anos depois, o ex-ministro viria a delatar Delfim em acordo com a PF.
Durante a pré-campanha, o ex-presidente usou diversos endereços como seu QG. Reuniões com coordenadores e aliados foram realizadas em hotéis na zona sul e na Bela Vista, e na sede da Fundação Perseu Abramo, em São Paulo. O petista também recebeu políticos e artistas em sua residência alugada no Alto de Pinheiros. Diferentemente do novo QG, a casa de Lula mal pode ser vista atrás de seus muros altos. •