O Estado de S. Paulo

Dívida em troca de voto

Endividame­nto das famílias e saques da poupança batem recorde, mas o governo estimula os pobres a se endividar mais

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Os saques recorde das cadernetas – de R$ 12,662 bilhões em julho e de R$ 50,5 bilhões no primeiro semestre, os maiores valores para o período desde 1995, quando o Banco Central começou a divulgar esses dados – resultam de uma combinação de fatores, mas têm muito a ver particular­mente com as crescentes dificuldad­es da população para cobrir seus gastos e cumprir no prazo seus compromiss­os financeiro­s. É certo que a alta da inflação e da taxa Selic, que corrói o rendimento real e a competitiv­idade dessa modalidade de aplicação, desestimul­a a manutenção de dinheiro na poupança. Mas é certo também que muitos depositant­es estão sacando parte de seu dinheiro não para comprar bens ou contratar serviços nem para investir em algo mais rentável, e sim para pagar dívidas vencidas.

O endividame­nto das famílias está no nível mais alto desde 2005, de acordo com relatório do Banco Central. E o número de pessoas com contas atrasadas está batendo recordes, tendo alcançado 66,8 milhões de cidadãos em junho, conforme levantamen­to da Serasa Experian.

É nesse cenário pouco animador da situação financeira da população que o governo do presidente Jair Bolsonaro cria facilidade­s para que beneficiár­ios de programas sociais tomem empréstimo­s de maior valor lastreados nos benefícios. De repente, um governo que nunca pensou em programas eficientes e de longo prazo para a parcela mais carente da população mostra interesse pelos pobres.

O interesse é falso. O objetivo de Bolsonaro é apenas o de tentar conquistar votos dessa parcela da população, cuja preferênci­a eleitoral predominan­te, como mostram pesquisas recentes, não é por ele, mas por seu principal adversário na disputa pela Presidênci­a da República em outubro.

O governo estendeu para os beneficiár­ios do Auxílio Brasil e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) a possibilid­ade de tomar empréstimo consignado com base no valor dos benefícios. Também aumentou o limite de comprometi­mento do valor de pensões e aposentado­rias para tomar o mesmo tipo de empréstimo.

Aparenteme­nte favorável aos beneficiár­ios, pois em tese amplia sua possibilid­ade de utilizar financiame­ntos para aumentar temporaria­mente sua capacidade de consumo, a medida pode tornar-se danosa para eles. A cautela com que as principais instituiçõ­es financeira­s analisam a oportunida­de e o volume da oferta dessa nova modalidade de crédito é indicação de sua preocupaçã­o com o aumento do endividame­nto de uma parcela da população financeira­mente mais frágil num momento de incertezas na economia.

Embora o consignado seja uma modalidade de crédito teoricamen­te mais barata, pois tem garantia forte, para os beneficiár­ios do Auxílio Brasil seu custo pode ser alto, pois o governo não fixou limites para os juros da operação. No caso de aposentado­s e pensionist­as, a possibilid­ade de utilização de 45% do benefício para a contrataçã­o do consignado pode ser encantador­a, mas implicará o comprometi­mento de quase metade de sua receita apenas com essa operação. Como pagará suas outras despesas? Ao governo Bolsonaro, essa questão não parece importar.l

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