O Estado de S. Paulo

Pandemia incentiva mudança de carreira em busca de bem-estar e realização pessoal

Pesquisa mostra que 49% dos profission­ais querem buscar novas oportunida­des e que 39% desejam inclusive mudar de área

- FELIPE SIQUEIRA

A pandemia e o isolamento social trouxeram à tona discussões sobre qualidade de vida, saúde mental e equilíbrio entre os lados pessoal e profission­al. Hoje, passado o pior momento da crise sanitária, os profission­ais buscam cada vez mais empregos adequados às próprias vontades. Às vezes, isso significa abandonar profissões que demandaram anos de estudo e começar do zero em outra área.

“As pessoas passaram a ver que tinham poder de escolha, seja para trabalhar de casa, seja no modo híbrido, e identifica­ram oportunida­des melhores”, diz o gerente da Robert Half (RH) Leonardo Berto. Segundo levantamen­to feito pela empresa, com 1.161 profission­ais, 49% dos entrevista­dos têm intenção de buscar novas oportunida­des de emprego neste ano. Desse total, 39% pretendem migrar de área.

Os motivos são variados. Vão desde o desejo de inovar ou aprender algo novo (19%) até a busca por realização pessoal (17%). Há também aqueles que decidiram apostar numa qualidade de vida melhor. Para 12% dos entrevista­dos, a troca de profissão tem esse objetivo, como é o caso de Bruno Arine, de 39 anos. Depois de 10 anos na carreira de físico de laboratóri­o, ele embarcou no mundo da tecnologia, como cientista de dados.

Arine gostava do que fazia e tinha graduação na área, mas vivia descontent­e com o tempo que gastava indo e vindo do trabalho. Antes mesmo de migrar para o setor de tecnologia, ele fez um mestrado nas áreas de machine learning e inteligênc­ia artificial. Isso acabou plantado uma “semente” para que ele se enveredass­e para o campo tecnológic­o.

A pandemia e o home office trouxeram novas alternativ­as para o profission­al, que morava em Sorocaba, interior de São Paulo – hoje vive em Araçoiaba da Serra, a 120 km da capital paulista. Ele destaca, entretanto, que o processo de transição de carreira não ocorreu de forma rápida. A tomada de decisão demorou cerca de um ano. Ele deixou uma empresa pública, em que era concursado, para ir para a iniciativa privada. “Pedi demissão no dia que recebi a oferta do novo emprego.”

A TRANSIÇÃO. De acordo com o diretor de vendas do Indeed, site de empregos, Felipe Calbucci, esse lado de satisfação – pessoal e profission­al – tem sido cada vez mais presente no mercado de trabalho brasileiro entre profission­ais qualificad­os. As empresas querem encontrar pessoas corretas para a vaga, que entrem no ecossistem­a e não saiam no curto prazo, fiquem felizes com o local. Ao mesmo tempo, as pessoas querem encontrar ambientes em que consigam realizar exatamente isso.

Segundo Calbucci, alguns tópicos podem ajudar no processo de migração de área de atuação, principalm­ente no momento da decisão. O ideal é construir um lado racional que dê segurança ao profission­al quando for começar de novo uma carreira. Para isso, é possível criar o que Calbucci chama de “matriz de atributos”. “É interessan­te elencar os itens que você mais valoriza, tanto no lado profission­al como no pessoal”, ressalta.

Um bom exemplo é formular uma lista, com notas, sobre quais itens são mais caros à pessoa. Ou seja, aplicando notas de um a cinco para itens como satisfação profission­al, qualidade de vida, salário de curto prazo, salário de longo prazo, plano de carreira, entre outros. Isso pode ser feito em uma comparação entre o que o profission­al deseja e o que ele já tem na carreira atual. “Os números vão ajudar a dizer se vale ou não fazer a transição.”

Nesse meio tempo, mesmo que haja percalços, o profission­al conseguirá lidar da melhor maneira possível, porque estará preparado, com o racional já trabalhado, sabendo que está no caminho certo. Pesando várias possibilid­ades e buscando realizaçõe­s pessoal e profission­al, Ricardo Faé de Moura, de 39 anos, fez uma mudança radical. Deixou a carreira de advogado e foi atrás de um desejo de criança: ser médico.

A princípio, logo após o ensino médio, Ricardo tentou ingressar na faculdade de medicina. Fez cursinho, mas não conseguiu entrar. O direito foi uma saída que considerou “menos demorada” para a independên­cia financeira. Ele começou a estagiar e traçou a carreira, atingindo ganhos suficiente­s para se sustentar.

Mas a profissão não reduziu a paixão por cuidar de pessoas. “Gostava de onde eu estava, as pessoas eram fantástica­s, mas não me sentia pleno. Me dava agonia pensar que ficaria muito tempo por lá, no mesmo escritório. Trabalhava com patentes, tinha contato com área de biotecnolo­gia, o que me lembrava muito a medicina. Com o tempo, pensava cada vez mais em mudar de área.”

A transição veio aos 28 anos, quando começou a estudar medicina na Santa Casa de São Paulo. Atualmente, trabalhand­o em clínica particular como médico de família, conta que financeira­mente ganha até menos do que poderia estar recebendo no Direito, mas a satisfação pessoal conta mais. “Foi um resgate à minha verdadeira vocação. O direito foi fundamenta­l, mas eu fiz com a cabeça pensando no curto prazo.”

EMPREENDED­OR. A transição de carreira também pode ser feita visando o empreended­orismo. Este foi o caso de Pedro Elero, de 34 anos, formado em engenharia elétrica. Desde 2014, ele é dono do Folks Pub, bar temático voltado ao público sertanejo. A ideia começou em Londrina, no Paraná, mas já chegou a locais como Goiânia, São Paulo e Foz do Iguaçu, por meio de franquias.

Depois de terminar a faculdade, foi trabalhar no mercado financeiro, como gerente de banco. Mas ficava insatisfei­to com a rotina do emprego. Com dois amigos, começou a desenvolve­r o conceito do que viria a se tornar o Folks. A empresa faturou R$ 22 milhões em 2021 e tem projeção de R$ 44 milhões neste ano.

“Cheguei a sentir arrependim­ento de largar minha carreira no banco para abrir um negócio. É um processo natural de quem tem algo novo, saindo da zona de conforto. Mas isso passa.” Elero conta, no entanto, que já no primeiro dia de inauguraçã­o percebeu que tinha tomado a decisão correta. •

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TABA BENEDICTO / ESTADÃO-29/7/2022 Moura trocou a carreira de advogado por um sonho de criança: ser médico e ajudar as pessoas
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HENRIQUE CAMPINHA/FOLKS PUB-13/4/2022 Pedro Elero abriu um bar e deixou o mercado financeiro

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