O Estado de S. Paulo

Eterna romântica

Ela reencontro­u um antigo amor aos 74 anos e não hesitou em dar mais uma chance para a felicidade; hoje, aos 82, se sente plena

- ANA LOURENÇO

“Sempre fui muito namoradeir­a, mas à moda antiga. Não como é agora. A gente dançava, conversava, era algo muito delicado”, lembra a terapeuta artística Mary Porto. Decidida, bem-humorada e eterna romântica, ela teve uma vida de aventuras e amores, muito graças à sua boa autoestima. “Mas quando a autoestima é muito forte, a pessoa vira revoltada. Sempre tive meu jeito e minhas ideias próprias”, conta.

Aos 18 anos, quando acompanhav­a o pai, que foi trabalhar na Bélgica, Mary se inscreveu em uma escola de artes em Lausanne, na Suíça – ainda que estivesse apreensiva por ficar sozinha em um outro país pela primeira vez. “Na secretaria, enquanto me apresentav­a no instituto, um rapaz bonitão não parava de me olhar. Eu não dei atenção, porque estava nervosa, focada, mas depois desse dia, comecei a perceber que por onde eu ia tinha aquela figura risonha me olhando. Tomei coragem e o chamei para um café.”

A figura era Raymond Widmer, um suíço de Neuchâtel, que, aos 19 anos, cursava arquitetur­a e se entregou a uma paixão com a intercambi­sta brasileira.

Os cafés compartilh­ados começaram a ser frequentes, e logo evoluíram por caminhadas de mãos dadas e outras carícias de amor. “Não gosto de ficar perdendo tempo. Eu via que ele sempre ficava na porta do curso me esperando. O tempo ia passando e eu me perguntand­o: ‘Eu vou embora e o que vai acontecer?’. Então decidi que era a hora e ‘tasquei’ um beijo nele. Se for pra ser vai ser, se não, acabou”, lembra.

AMORES. A paixão durou um ano. Seis meses presenciai­s e mais seis por correspond­ências. Mas a comunicaçã­o foi ficando cada vez mais espaçada – e, no meio tempo, Mary reencontro­u Samuel, um velho amigo, que a conhecia desde os 15 anos e era apaixonado por ela. O novo relacionam­ento a fez interrompe­r o romance a distância com o suíço e começar uma família aqui no Brasil. Casou-se e tornou-se mãe de Carlos, Luis e Isabela. A relação durou 16 anos – e então eles seguiram caminhos diferentes.

Meses depois, ela se casou novamente, dessa vez com Paulo, cunhado de uma amiga. Quando se separou pela segunda vez, se apaixonou pelo psicanalis­ta que a havia ajudado no seu primeiro divórcio. “Aos 70 anos, então, falei que tinha saído do mercado e não queria mais saber de homem. Tinha casado três vezes, estava cheia, queria envelhecer em paz e ser vovó. Mas aos 74 tudo mudou.”

REENCONTRO. Cinquenta e cinco anos depois do romance europeu, Mary recebeu uma carta amarela com o selo da Suíça. “Quando peguei a carta foi muita emoção, quase que se materializ­ou o fantasma dele na minha frente. Não podia acreditar”, diz.

Raymond lhe contou que nunca havia esquecido do amor entre os dois. Ele também havia se casado apenas uma vez, mas sua mulher havia morrido de câncer – e um dia, enquanto arrumava suas gavetas, encontrou um presente de Mary e decidiu escrever para ela.

Da correspond­ência física, passaram para a digital, até que Mary desembarco­u no aeroporto de Zurique. “As pessoas me perguntam: como você teve coragem? E sinceramen­te eu não sei. Resolvi pagar para ver”, admite. Segundo ela, a idade não é algo que modifique os sentimento­s. “A pessoa pensa que na velhice não se fala mais de amor, não se fala de sexo, pensa que ser feliz é só para os jovens. Mas não é.” Mary acredita estar em um momento de plenitude na vida. “Eu já cuidei de filho, já cuidei de neto, já namorei, já casei. O que está faltando? Nada. Está é sobrando… sobrando vida para ser vivida.”

Menos de uma semana depois da sua chegada à Suíça, foi pedida em casamento. “Eu não estava aberta para um romance, mas o que vivemos foi muito especial. Então valia a pena tentar. E a nossa grande surpresa foi que a gente tinha envelhecid­o parecido”, conclui. “Hoje podemos ficar horas sem dar uma palavra, cada um no seu canto, feliz.” •*

“Eu já cuidei de filho, já cuidei de neto, já namorei, já casei. O que está faltando? Nada. Está é sobrando... sobrando vida para ser vivida”

“Pensam que na velhice não se fala mais de amor, não se fala de sexo, que ser feliz é só para os jovens. Mas não é”

Mary Porto

Terapeuta artística

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ISABELA KAUFFMANN Depois de 55 anos, Mary Porto reencontro­u Raymond: ‘Não gosto de ficar perdendo tempo’

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