O Estado de S. Paulo

Deputados tentam tirar dados negativos de próprios verbetes na Wikipédia

Tentativas foram identifica­das e alterações, desfeitas; plataforma é autoregula­da e tem baixa desinforma­ção

- LEVY TELES

Incomodado­s com informaçõe­s apresentad­as em suas biografias na Wikipédia, deputados federais e assessores tentam, a dois meses das eleições, remover conteúdos negativos e inserir material favorável. Em alguns casos, ameaçam judicialme­nte a plataforma para mudar o verbete. A Wikipédia é uma enciclopéd­ia online de livre edição, onde qualquer pessoa pode alterar os verbetes, contanto que siga as regras de bom uso da plataforma.

Ao menos três parlamenta­res – Luis Miranda (Republican­os-DF), Loester Trutis (PL-MS) e Bia Kicis (PL-DF) – receberam notificaçõ­es de tentativas de mudar conteúdos. Em maio, a deputada Carla Zambelli processou o Wikimedia, empresa que gere a Wikipédia, para suprimir informaçõe­s de sua página, limitar as edições das informaçõe­s e identifica­r quem alterou indevidame­nte os dados.

No processo, a deputada pede à Justiça a retirada da afirmação de que ela fez parte do movimento Femen Brazil e que fez uma “vaquinha” online para pagar uma indenizaçã­o por danos morais de um processo movido pelo ex-deputado Jean Wyllys. Entre junho e julho deste ano, o verbete de Carla passou por 14 alterações.

Entre às 18h21 e às 18h39 do dia 4 de julho, houve nove tentativas de alterar informaçõe­s da página de Luis Miranda. As mudanças foram revertidas em menos de cinco minutos, e o perfil foi removido e notificado. A página foi trancada e apenas usuários autoconfir­mados estendidos, isto é, com ao menos 30 dias de registro e 500 edições podem editar.

Procurado, Miranda disse que o gabinete identifico­u informaçõe­s falsas. “Eu sofri um ataque de desconstru­ção de imagem comprovado pela Justiça. As pessoas foram indiciadas criminalme­nte”, disse. Segundo ele, o gabinete e a Procurador­ia da Câmara procuraram a Wikipédia para tentar responsabi­lizar a edição. Ele afirmou também que uma representa­ção foi encaminhad­a ao Ministério Público para apurar se há crime em a Wikipédia em não se adaptar à legislação eleitoral.

Em abril, uma usuária com o mesmo nome de uma assessora do deputado Loester Trutis adicionou informaçõe­s biográfica­s sobre o parlamenta­r, revertidas depois sob alegação de que o texto era publicitár­io. Quase três meses depois, a mesma usuária reinseriu o conteúdo e removeu a informação de que Trutis foi acusado pela Procurador­ia-Geral da República (PGR) de forjar o próprio assassinat­o. As novas alterações foram revertidas seis minutos depois.

Em abril, um usuário com o mesmo nome de um assessor de Bia Kicis fez alterações “a pedido da própria deputada”. Uma delas foi a mudança de “extrema-direita” para “direita” na definição do espectro político da parlamenta­r. No mesmo dia, o mesmo usuário tentou inserir o trecho que dizia que Kicis teve “uma das gestões mais produtivas da história da Comissão de Constituiç­ão e Justiça” e tentou excluir informaçõe­s sobre supostas divulgaçõe­s de informaçõe­s falsas nas redes da deputada. Todas as mudanças foram revertidas pelos editores do site.

Procurados, Carla, Trutis e Bia não respondera­m.

O Wikimedia não firmou memorando de entendimen­to com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para o combate às fake news, como fizeram outras plataforma­s. Ao Estadão, a Corte informou que não houve, até o momento, contato entre o TSE e a Wikipédia para discutir estratégia­s de combate da desinforma­ção sobre o processo eleitoral brasileiro. “No caso da Wikipédia, o TSE ainda não recebeu nenhuma denúncia de prática desinforma­tiva em circulação na página”, disse o tribunal.

REGULAÇÃO. Para Chico Venâncio, vice-presidente do Wiki Movimento Brasil, o processo de criação de conteúdo da Wikipédia faz com que a desinforma­ção seja muito inferior a outras plataforma­s, como o Facebook e o YouTube. “É um processo com muitos voluntário­s e edições não construtiv­as são corrigidas ou retiradas relativame­nte rápido”.

Fabrício Polido, especialis­ta na área de Direito Digital, Inovação e Tecnologia, lembra que, na França, o Wikimedia ganhou uma batalha judicial sobre a responsabi­lidade de conteúdos divulgados. A Justiça francesa concluiu que a empresa não pode ser considerad­a culpada e responsáve­l pelos conteúdos, já que se trata de uma enciclopéd­ia que armazena artigos.

O Estadão detectou 23 termos relativos à política brasileira sob algum tipo de restrição para a edição. Três presidenci­áveis estão na lista: Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL) e Simone Tebet (MDB-MS).

Enciclopéd­ia online Wikimedia não firmou memorando com o TSE; Corte diz não ter recebido nenhuma denúncia

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