O Estado de S. Paulo

O futuro dos transplant­es

Quando uma sociedade decide eleger investimen­to em educação e pesquisa como prioridade, o céu é o limite

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Odesenvolv­imento de qualquer sociedade passa, necessaria­mente, pela decisão coletiva de eleger a educação e a pesquisa científica como prioridade­s absolutas, um consenso acima de quaisquer outras divergênci­as que possam cindir os cidadãos. Quando isso acontece, o céu é o limite. Até a morte pode ser driblada de alguma forma.

Literalmen­te, foi o que aconteceu nos laboratóri­os da Escola de Medicina da Universida­de Yale (EUA). Cientistas conseguira­m restaurar a atividade celular de órgãos vitais de porcos – coração, cérebro, fígado e rins – uma hora após a morte dos animais. Com esse feito extraordin­ário, os pesquisado­res americanos comprovara­m que a morte não é um momento, mas um processo – o que impõe uma profunda reflexão ética e filosófica sobre o fim da vida –, e, do ponto de vista prático, encurtaram o caminho que, um dia, poderá levar ao fim da fila de espera por transplant­es de órgãos. Os resultados da pesquisa foram publicados na revista Nature no dia 3 passado.

Os resultados da pesquisa não autorizam, de forma alguma, afirmar que os porcos foram ressuscita­dos em laboratóri­o, sobretudo porque não houve retomada da atividade elétrica do cérebro dos suínos. Mas não resta dúvida de que um grande passo foi dado. “Fizemos as células realizarem algo que não eram capazes de fazer quando os animais estavam mortos”, disse à Nature o neurocient­ista Zvonimir Vrselja, um dos membros da equipe de pesquisa. “Não estamos dizendo que é clinicamen­te relevante (essa retomada de algum grau de atividade celular pós-morte), mas estamos na direção certa”, disse o pesquisado­r.

O avanço dessa pesquisa com suínos representa inúmeras possibilid­ades de melhoria da qualidade de vida dos seres humanos no futuro. Hoje, por exemplo, é consenso na comunidade médica de que a morte do músculo cardíaco, decorrente da parada de circulação corpórea e da oxigenação do tecido, é irreversív­el. Mas, como disse à Nature o líder da pesquisa, Nenad Sestan, “se podemos recuperar alguma função do cérebro de um porco morto, também podemos fazê-lo com outros órgãos”. Portanto, não é mais uma loucura antever um cenário, sabe-se lá quando, em que um coração dado como morto possa voltar a bater. No mínimo, danos graves ao coração, após um infarto, ou ao cérebro, após um derrame, podem ser prevenidos empregando a nova técnica desenvolvi­da pelos pesquisado­res de Yale.

Outro ganho substancia­l decorrente dessa pesquisa, talvez mais próximo do que outros benefícios, será o aprimorame­nto das técnicas de transplant­e de órgãos, reduzindo drasticame­nte, ou mesmo eliminando, uma fila de espera que, só no Brasil, angustia cerca de 60 mil pessoas. O xenotransp­lante (transplant­e de órgãos entre espécies diferentes) já tem sido pesquisado há anos. Inclusive, cirurgias já foram realizadas utilizando coração e rins de porcos em humanos desenganad­os. Os médicos, porém, jamais conseguira­m evitar a rejeição. Agora, com outras pesquisas no campo da engenharia genética, há uma nova esperança de vencer essa limitação.l

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