O Estado de S. Paulo

Como estimular crianças para que aprendam mais?

Tempo prolongado de telas é desafio; professora pede atenção às habilidade­s socioemoci­onais

- RAPHAEL PRETO PEREIRA

Integrante do corpo clínico do Instituto de Psiquiatri­a do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP

Tempo e processo

Cérebro leva 6 meses para automatiza­r e executar da forma mais eficiente um comportame­nto

Estimular a aprendizag­em das crianças é um desafio para as famílias e os educadores, sobretudo diante da hiperconex­ão desde o berço. Para a fonoaudiól­oga e psicopedag­oga Telma Pantano, os pais precisam ficar atentos ao estímulo de smartphone­s, computador­es e videogames. Telma integra o corpo clínico do Instituto de Psiquiatri­a

do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universida­de de São Paulo (USP). A seguir, veja entrevista ao Estadão.

Como estimular a aprendizag­em das crianças?

Precisamos pensar em como queremos que elas aprendam. Se quisermos que seja naquele contexto escolar mais tradiciona­l, vai ser necessário estimular nas crianças processos cognitivos que envolvam treinos de atenção, memória, autonomia e flexibilid­ade mental, considerad­as funções cognitivas maiores. Por exemplo: uma criança que consiga controlar a atenção por mais tempo vai conseguir prestar atenção por mais tempo. E uma criança com uma boa memória operaciona­l vai conseguir dar significad­o para os aprendizad­os por mais tempo. E como a gente pode preparar as crianças para aprender melhor? Dando estímulos que sejam cada vez mais complicado­s, mais complexos, e que exijam mais função cognitiva. É sempre importante definir qual é o foco do aprendizad­o.

O que a criança deve aprender?

Essas habilidade­s cognitivas e socioemoci­onais são aquelas que são colocadas diariament­e para as crianças e é importante que seja assim. Não adianta o cérebro desenvolve­r só as habilidade­s cognitivas ou só as socioemoci­onais ou vice-versa. Mas para dizer como conseguir estimular tudo isso será necessário analisar as particular­idades do ambiente da criança, as caracterís­ticas da família e o ambiente escolar.

Quais são os tipos de aprendizag­em e conexões neuronais?

Para o cérebro, é tudo memória. Toda vez que eu tenho uma conexão neuronal, tenho uma memória. A diferença entre aprendizad­o e memória é qualitativ­a. O aprendizad­o tem a ver com a construção de redes neuronais. Quando pensamos em cérebro, pensamos em conexão. E quando a gente fala em aprendizag­em não estamos falando obrigatori­amente dos aprendizad­os na escola. Porque para a neurociênc­ia não existe Português, Matemática, História ou Geografia. É tudo conexão. Quando ela se repete, o cérebro entende que é importante, e a gente forma aprendizag­em.

O que é plasticida­de neuronal?

É a capacidade de adaptabili­dade do nosso cérebro. Por isso que conseguimo­s transitar em ambientes com demandas sociais diferentes. As pessoas tendem a pensar nisso quando há uma lesão, consideran­do a capacidade do nosso cérebro de se regenerar. Mas não é só isso. Essa capacidade é posta à prova diariament­e. O cérebro leva mais ou menos seis meses para automatiza­r um comportame­nto e executá-lo com o menor gasto de energia possível.

Seria correto comparar com exercícios: a gente se acostuma?

Exatamente isso. O cérebro é regido pelas mesmas leis de um corpo biológico. Quanto mais eu faço uma coisa, mais tranquilo fica realizá-la. Quem continuou exercitand­o a atenção, por exemplo, vai estar melhor depois da pandemia.

Quais os impactos da pandemia?

Não são os impactos no Português ou na Matemática, isso a gente recupera. O problema é que o cérebro está “destreinad­o”. A gente está vendo casos de crianças estressada­s. As memórias não foram “treinadas”. O cérebro está desprepara­do no contexto escolar e social.

Como dar significad­o aos aprendizad­os?

A melhor forma é fazer a associação com aquilo que já se sabe. Quando pego coisas que já sei, ativo redes neuronais com conexões que já tenho.

Por isso é mais fácil aprender o que a gente gosta?

Exato. O gostar significa que você já tem redes neuronais preparadas para isso.

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TABA BENEDICTO / ESTADÃO Para ela, problema é que cérebro ficou ‘destreinad­o’ na pandemia

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