O Estado de S. Paulo

Análise de dados indica limites para evitar burnout

Passar mais de 85% da jornada no computador e dedicar acima de 20% do tempo a reuniões são fatores de risco

- LUDIMILA HONORATO

É sabido que a síndrome de burnout resulta de um estresse crônico no local de trabalho que não foi administra­do com sucesso, como define a Organizaçã­o Mundial da Saúde. Mas como medir esse dano à saúde mental? Quais atividades mais impactam nesse resultado? Questões aparenteme­nte subjetivas encontram respostas nos dados, por meio de estudos e análises que apontam fatores e limites da jornada laboral a fim de prevenir o adoeciment­o da mente.

A startup Fhinck, por exemplo, que desenvolve­u um software com foco em gestão do trabalho, notou que poderia extrair informaçõe­s valiosas sobre excessos que compromete­m a saúde dos profission­ais. O recurso foi desenvolvi­do para rotinas de escritório, e coleta dados da interação das pessoas com o computador.

O CEO e cofundador da empresa, Paulo Castello, explica que, com base em estudos científico­s sobre saúde mental no trabalho, a empresa busca traduzir fatores de risco em números. “Na questão do burnout, desenvolve­mos um algoritmo para identifica­r variáveis que os estudos apontam.”

Ele exemplific­a: “Uma das últimas etapas de uma pessoa entrando em burnout é ficar isolada, ela se comunica menos. Quando a gente faz análise de rede de pessoas que se conectam no dia a dia, o algoritmo identifica se a pessoa fica isolada

dos demais”. O executivo ressalta que essa informação só acende o alerta de potencial burnout quando se repete ao longo do tempo e é associada a outras variáveis. Sozinha, ela não representa muito.

Outras questões analisadas pela inteligênc­ia artificial são: jornada semanal superior a 60 horas, atividade digital acima de 85% da jornada semanal, tempo gasto com comunicaçã­o escrita maior que 20% e reuniões representa­ndo mais de 20% da jornada. Esses números limites também são estabeleci­dos com base em estudos, como mostra um artigo da Harvard Business Review.

“Os dados criam uma pontuação que não significa que a pessoa está em burnout, mas separa entre ‘isso é normal’ e ‘isso é anormal’. Quanto mais pontos vai ganhando, maior a tendência de entrar em burnout”, observa Castello. Ele explica que os pontos só começam a ser contabiliz­ados quando há um desvio do padrão estabeleci­do, que pode mudar ao longo do tempo conforme novos estudos são divulgados.

Nessa evolução, o software da Fhinck também foi atualizado durante a pandemia. “Antes, o software ficava instalado na máquina do colaborado­r e, embora ele soubesse, não precisava ter interação. Durante a pandemia, transforma­mos o software em assistente virtual, que agora conversa com o colaborado­r”, explica.

Conforme a inteligênc­ia artificial entende os padrões da jornada do trabalhado­r, consegue enviar mensagens de alerta, como sugerir pausa ou uma conversa com o gestor, caso identifiqu­e que a pessoa está há dois dias fazendo hora extra ou sem intervalo para almoço.

REUNIÕES. De forma intensa, todas essas atividades provocam um acúmulo de estresse no cérebro, que pode levar a um esgotament­o progressiv­o se não for gerenciado. Pesquisado­res do Laboratóri­o de Fatores Humanos da Microsoft já demonstrar­am que reuniões em sequência podem diminuir a capacidade de se concentrar e se engajar com o trabalho.

Levantamen­to feito pela Fhinck entre junho de 2020 e maio de 2022, com base em dados de mais de 8 mil trabalhado­res, mostrou acréscimo de 6,7% no tempo médio da jornada de trabalho semanal durante a pandemia. E desde fevereiro a jornada ainda se mantém 3,9% maior do que a média registrada em 2019.

“Se você sai de uma reunião para outra sem pausa, essa atividade digital mostra a intensidad­e que a pessoa está no computador”, diz Paulo Castello.

“Quando fazemos a análise de rede de pessoas que se conectam no dia a dia, o algoritmo identifica se a pessoa fica isolada dos demais.” “Informação acende sinal de alerta, mas precisa estar associada a outras variáveis.”

Paulo Castello

CEO e cofundador da Fhinck

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