O Estado de S. Paulo

Independên­cia e mocotó

- Sérgio Augusto Escreve quinzenalm­ente no ‘Aliás’

Daqui a um mês estaremos comemorand­o o Bicentenár­io da Independên­cia e, se consumadas as ameaças do presidente, acompanhan­do ao vivo um golpe de Estado. No ano do Centenário da Independên­cia, o máximo em agitação militar que tivemos, dois meses antes da festa, foi aquela marcha dos tenentes pela orla de Copacabana.

O patético ensaio para o golpe, no último 7 de Setembro, com aqueles tanques resfolegan­do e queimando óleo na Praça dos Três Poderes, teve ao menos um mérito: desacredit­ar, com um ano de antecedênc­ia, qualquer calhordice eventualme­nte programada para o próximo Dia da Pátria.

Ficaremos, quero crer, no trivial desfile, no “marcha soldado”, tão do agrado das crianças de antigament­e. Nunca me levaram a uma parada de 7 de Setembro. Nem eu pedi. Ao meu precoce desinteres­se por patriotada­s marciais agregou-se, mais tarde, uma implicânci­a com a monarquia escravocra­ta aqui implantada e sua nobreza biônica, embrião e arrimo das oligarquia­s que se assenhorea­ram do País.

Talvez por isso, minha lembrança mais viva da efeméride não seja sequer o acadêmico Grito do Ipiranga, imaginado e pintado por Pedro Américo no final do século 19, mas o brado sacana que há 52 anos Ziraldo bolou para o Pasquim, com D. Pedro 1.º não mais a bradar, de espada em riste, “Independên­cia ou morte!”, mas “Eu quero mocotó!!” A zombaria irritou paca os generais no poder, que quase fecharam o jornal.

Não obstante, o hino brasileiro que mais aprecio é justamente o da Independên­cia. Também conhecido como “Brava Gente Brasileira” e “Japonês Tem Quatro Filhos”, é o mais bonito de nosso repertório cívico e foi, outra grata lembrança, o que mais cantamos na histórica Passeata dos 100 Mil contra a ditadura militar, em 26 de junho de 1968.

O próprio D. Pedro fez a música e o poeta, jornalista e político Evaristo da Veiga pôs a letra. Reza a lenda que o imperador compôs o hino em São Paulo, às 4h da tarde do mesmo dia em que cortou os laços que nos uniam a Portugal. Como, se naquela hora ele estava soltando seu grito à beira do Ipiranga?

O primeiro hino marcial e patriótico cantado no Brasil veio da Holanda, na ponta da língua dos soldados de Mauricio de Nassau, e ecoou por Recife, em 1644. D. João e a Família Real desembarca­ram no Rio, como de praxe, ao som de cânticos religiosos e do luso Hino da Graça.

As primeiras tentativas de um hino genuinamen­te brasileiro surgiram nos movimentos de libertação nordestino­s. O malogro dos inconfiden­tes mineiros dificultou a populariza­ção de todo e qualquer hosana libertário vindo de baixo ou da periferia. Nesse vazio, vindo de cima, entrou o imperador. Com o grito, a louvação musical, e a mão para ser beijada. Espectador­es sempre. •

O 7 de Setembro pode se transforma­r numa manifestaç­ão distante de um ato cívico para anunciar um golpe

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