O Estado de S. Paulo

O meio ambiente e a política externa

- Rubens Barbosa PRESIDENTE DO INSTITUTO RELAÇÕES INTERNACIO­NAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE), É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

Apartir da guerra na Ucrânia, a ameaça concreta de falta de energia, em especial do gás, agravada pela forte alta dos preços no mercado internacio­nal, trouxe um retrocesso nos compromiss­os ambientais assumidos pelos países europeus. A reabertura de usinas a carvão na Alemanha e outras medidas em diversos países vão em sentido contrário às políticas de redução de emissões de gás carbônico. Os países que cobram uma atitude mais firme do Brasil na defesa do meio ambiente e nas políticas de mudança de clima, por circunstân­cias internas, veem-se forçados a utilizar meios de geração de energia que condenam, por serem contrários às políticas ambientais que defendem.

Pela primeira vez na História o Brasil ocupa uma posição de grande visibilida­de e influência na mais importante e estratégic­a questão global para o futuro da humanidade.

As novas preocupaçõ­es globais com a preservaçã­o do meio ambiente e a mudança de clima colocaram o Brasil em situação de destaque no contexto internacio­nal. O Brasil, como nunca antes, se encontra no centro das discussões sobre o tema global (não militar) mais relevante e que concentra a atenção de todos os países nas discussões multilater­ais e mesmo bilaterais, com repercussã­o sobre a totalidade dos membros da comunidade internacio­nal. Desde 1992, quando da realização da cúpula sobre meio ambiente, a Eco-92, o Brasil passou a desempenha­r um papel de relevo nas negociaçõe­s e envolveu-se fortemente em todos os acordos negociados até o Acordo de Paris, em 2015, mas nunca o tema da mudança de clima ganhou as dimensões atuais.

A preocupaçã­o com o aqueciment­o do planeta adquiriu proporções inusitadas, pela perspectiv­a real do aumento do nível dos oceanos, do desapareci­mento de ilhas-países e de grande parte de países com litorais vulnerávei­s, além do impacto sobre a agricultur­a, que, no médio e no longo prazos, poderá vir a ser afetada pela desertific­ação ou por grandes inundações, como resultado da alteração dos regimes pluviais, com a destruição das florestas e a não redução do aqueciment­o planetário.

Nas últimas reuniões do G20 e na COP-26 houve uma evolução da atitude e das posições políticas do governo em relação a essas discussões, apesar de tudo. O Brasil está de volta e se apresenta como parte da solução, com contribuiç­ões para a formação do mercado global de carbono, a redução do metano e a antecipaçã­o do fim do desmatamen­to

Pela primeira vez na História o Brasil ocupa posição de visibilida­de e influência na mais importante e estratégic­a questão global para o futuro da humanidade

da Amazônia. O Brasil poderá voltar a ter um papel especial nessas negociaçõe­s e relevância global pela importânci­a do bioma amazônico, pelo maior reservatór­io de água doce do mundo, pela importânci­a da matriz energética limpa, pelo papel como potência agrícola e pelas soluções que já está produzindo para a redução das emissões de gás de efeito estufa.

Fontes inesgotáve­is e diversific­adas de energia renovável (solar e eólica), o potencial da biomassa e da biodiversi­dade, a produção de etanol, que reduz a poluição dos transporte­s, são contribuiç­ões do País para as discussões sobre o desenvolvi­mento sustentáve­l, a preservaçã­o do meio ambiente e a mudança de clima. O desenvolvi­mento do mercado de carbono entre Estados e o voluntário entre empresas poderá trazer um grande volume de recursos para o País e ajudará a mitigar o problema de emissão de gás na atmosfera.

Com as necessária­s mudanças de políticas ambientais, governo e sociedade em geral poderiam aproveitar essa grande oportunida­de. A questão não se deve limitar às discussões ambientais, mas ampliar-se para o exame de como o meio ambiente pode trazer recursos externos, ajudar a fortalecer a projeção externa do País e como o Brasil, afinal, poderá encontrar um lugar no mundo que correspond­a efetivamen­te ao seu potencial.

No momento em que as contradiçõ­es nas posições ambientais dos países desenvolvi­dos se agravam, está sendo publicado o livro Diplomacia ambiental, que vai suprir a falta de uma completa e independen­te informação interna dos compromiss­os internacio­nais assumidos em 15 acordos pelos diferentes governos brasileiro­s nas últimas décadas e confirmar ou corrigir a crescente percepção externa negativa sobre as políticas ambientais atuais. O trabalho esclarece a evolução dos processos gerados pelo resultado das negociaçõe­s e pela internaliz­ação dos acordos examinados, que se tornam parte da legislação nacional. O livro mostra os compromiss­os cumpridos ou em processo de cumpriment­o e os não cumpridos, e, por isso, poderá ser um instrument­o valioso para o governo e para o setor privado na defesa do interesse nacional e no restabelec­imento da credibilid­ade externa do País, substancia­lmente deteriorad­a.

Fica muito claro, contudo, que há muito a ser feito para colocar o Brasil novamente como um real protagonis­ta nos entendimen­tos bilaterais e nos fóruns internacio­nais sobre meio ambiente. Em paralelo ao lançamento deste livro, o resultado do trabalho Diplomacia ambiental já pode ser acessado por meio do e-book no portal Interesse Nacional (www.interessen­acional.com.br).

O trabalho oferece um roteiro para que, a partir de 2023, meio ambiente e mudança de clima possam estar no centro da política externa e serem definidos como a principal prioridade da ação oficial para a recuperaçã­o da credibilid­ade externa. •

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