O Estado de S. Paulo

Uma retaliação inaceitáve­l

União tenta impedir Estados de buscar compensaçã­o por perda de receitas com ICMS imposta pelo governo federal

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Ogoverno ameaçou retaliar os Estados que buscarem fazer valer os termos da lei que o próprio governo impôs para reduzir o preço dos combustíve­is. Depois de obrigá-los a arcar com perdas decorrente­s da definição de um teto para o Imposto sobre Circulação de Mercadoria­s e Serviços (ICMS) sobre bens essenciais, avançando frontalmen­te contra o pacto federativo, o Executivo parece surpreso com a cobrança dos governador­es pela compensaçã­o financeira tal como foi prevista na legislação. Já são quatro os Estados que apelaram ao Supremo Tribunal Federal (STF) para garantir o abatimento de suas dívidas com a União em resposta à queda da arrecadaçã­o.

O novo capítulo dessa guerra veio na forma de ofícios enviados pelo Tesouro Nacional. Como revelou o Estadão, Alagoas, Maranhão e Piauí foram informados de que poderão ter a capacidade de pagamento reclassifi­cada “em decorrênci­a da declaração, no âmbito de processo judicial, de dificuldad­es financeira­s” – como se o Tesouro não estivesse ciente de que esses problemas foram criados pelo próprio governo federal.

O rebaixamen­to da nota de crédito impediria os Estados de tomarem financiame­ntos com garantia da União e bloquearia o recebiment­o de repasses financeiro­s oriundos de fundos constituci­onais. Mais do que uma represália, no entanto, a atitude do Tesouro é uma coação e visa a dissuadir outros governador­es de tomarem a mesma atitude, haja vista a receptivid­ade que as primeiras liminares tiveram no Supremo Tribunal Federal (STF). Enquanto os Estados buscam o ressarcime­nto imediato das perdas que superarem 5% de sua arrecadaçã­o, a União quer aguardar o fechamento do ano para comparar as receitas auferidas em 2022 com as de 2021 para só então definir quem deve ser indenizado. Até lá, os Estados que se virem para manter, sob as mesmas bases, ainda que sem as mesmas receitas, serviços de saúde, educação e segurança pública, áreas que afetam diretament­e a qualidade de vida da população.

Como disse o secretário de Fazenda do Piauí, Antônio Luiz Santos, seria o mesmo que “esperar o paciente entrar na UTI para depois salvá-lo, em vez de tratar logo no começo da enfermidad­e”.

Ao que tudo indica – e o envio de ofícios em tom intimidató­rio apenas reforça esse entendimen­to –, a União perderá a disputa e busca apenas ganhar tempo. Este jornal já criticou, neste espaço, a conivência do STF com alguns Estados, sobretudo os mais endividado­s. Há alguns anos, alegando a existência de graves problemas financeiro­s, governador­es receberam aval para dar calote nas dívidas com a União ao mesmo tempo que anunciavam reajustes salariais para servidores públicos e que concediam benefícios fiscais.

Há, no entanto, uma enorme diferença entre essas situações do passado e a crise atual. Desta vez, não foram os Estados que agiram de forma inconseque­nte sem zelar pelas contas públicas. Foi a União que depenou as receitas dos Estados em nome dos interesses eleitorais do presidente Jair Bolsonaro e de sua obsessão com o preço dos combustíve­is.l

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