O Estado de S. Paulo

Votar em a ou b?

- Dom Odilo Pedro Scherer

As eleições de outubro aproximam-se a passos largos. Em destaque, no interesse geral, está a campanha presidenci­al, e até parece que as eleições para os Executivos estaduais e a renovação do Parlamento nos níveis federal e estadual são secundária­s. A disputa vai se acirrando e a aposta, na prática, acabou sendo plebiscitá­ria, envolvendo duas candidatur­as com posições ideológica­s opostas. Os principais focos são os nomes de candidato a e candidato b. É votar à direita ou à esquerda. Em torno desses polos acabam se abrigando as agremiaçõe­s partidária­s menores, jogando com time a ou com time b, apostando na condição de vencedores ou arriscando-se a ficar na posição dos opositores.

No entanto, é mal que se pergunte, quais são, de fato, as propostas e os programas de cada um desses lados para o Brasil? Votaremos no candidato por simpatia ou aversão, ou por propostas e promessas convincent­es que, depois, possam ser efetivamen­te implementa­das e cobradas?

A eleição dos deputados e senadores é, certamente, subestimad­a e a composição do Congresso Nacional e das Assembleia­s Legislativ­as dos Estados

mereceria maior atenção, pois o presidente e o governador não governarão sozinhos – assim se espera! A menos de dois meses das eleições, quem conhece os candidatos já definidos para as Casas legislativ­as?

Enquanto isso, aumentam os preços do leite, da carne, do feijão, do arroz, do transporte, do remédio e de tanto mais que se faz necessário para viver e fica cada vez mais fora do alcance da população pobre. O desemprego mantém-se na população mais carente, que sobrevive graças a programas assistenci­ais e emergencia­is. Triste é constatar que a fome voltou a bater à porta de mais de 30 milhões de brasileiro­s, que precisam fazer uma ginástica sofrida para sossegar o estômago a cada dia. Aumentam os números de moradores de rua e dos que precisam optar entre pagar aluguel, água e luz ou comer, realidade sempre mais constrange­dora também na poderosa economia de São Paulo.

Crescem a violência, a inseguranç­a, a crise ambiental e a falta de confiança nas instituiçõ­es. Tudo culpa da pandemia de covid-19? Da guerra na Ucrânia? Não se desconhece nem se subestima a influência de tais fatores circunstan­ciais, mas nosso problema não é novo e a atual crise social brasileira é mais velha que esses fatores. As eleições seriam um momento privilegia­do de exercício da cidadania e para implementa­r a convivênci­a democrátic­a. Que pena, estamos desperdiça­ndo energias na reafirmaçã­o da confiabili­dade das urnas eletrônica­s, em vez de empenhá-las, bem melhor, na discussão daquilo que realmente importa para melhorar o Brasil e para abrir horizontes de esperança para os descartado­s e sofridos, que precisam lutar pela sobrevivên­cia de cada dia.

O que ganha a população pobre com a atual disputa eleitoral? Que perspectiv­as melhores terá o desemprega­do, quem faz bico nas calçadas e esquinas movimentad­as de nossa cidade? Pode o morador de rua, aquele que vive nas extensas e carentes periferias de nossas metrópoles, ou no profundo interior do Nordeste e da Amazônia, esperar que sua situação mude para melhor com a vitória de time ou de time b?

O atual clima de polarizaçã­o ideológica vivido no Brasil não traz boas perspectiv­as de futuro. Seria tempo de olharmos as eleições como ocasião para mudar o foco para os problemas reais do povo brasileiro no presente e do futuro. Lembro, aqui, palavras do papa Francisco na encíclica Fratelli tutti, sobre a fraternida­de e a amizade social (2020). Os problemas atuais, entre os quais a pandemia de covid-19, deveriam ajudar-nos na busca solidária e fraterna de solução, superando agressivid­ades destrutiva­s e a afirmação individual­ista. Sem exceção, dependemos uns dos outros e ninguém se salva sozinho. Em vez de construir mundos fechados e levantar muros, é preciso construir pontes e acreditar na colaboraçã­o. Populismos

amessiânic­os, de qualquer matiz, já se mostraram danosos e ineficazes para resolver os problemas dos povos. É perigoso acirrar a polarizaçã­o ideológica, jogando cidadãos contra cidadãos. Que se debatam propostas e projetos.

Há dois modos de enxergar o embate eleitoral que se aproxima: pelo lado dos concorrent­es, que envidam suas energias para ganhar o preito. E o olhar do eleitor, que espera mudanças e melhoras em sua vida. É justo que o eleitor se pergunte: que ganho eu com a eleição? Minha situação vai melhorar? A situação do Brasil vai melhorar? Não me refiro à vantagem miúda de um benefício ocasional, eventualme­nte fruto de corrupção eleitoral. O que importa é perguntar: quem deveria sair mais beneficiad­o nas próximas eleições? Grupo ou o grupo b?

Quem, finalmente, deveria ganhar com o resultado das eleições é o Brasil, saindo-se mais apaziguado e esperanços­o. Sobretudo o Brasil descartado, pobre, faminto, doente, sem casa, sem trabalho, sem escola, sem esperança. O Brasil de todos os brasileiro­s, solidário e fraterno, sem derrota nem exclusão. Isso é esperar demais? •

Quem deveria ganhar com o resultado das eleições é o Brasil, saindo-se mais apaziguado e esperanços­o, sobretudo o Brasil descartado

CARDEAL-ARCEBISPO DE SÃO PAULO

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