O Estado de S. Paulo

O Supremo contra si mesmo

- JOAQUIM FALCÃO MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCI­ONAL E CONSELHEIR­O DO CENTRO BRASILEIRO DE RELAÇÕES INTERNACIO­NAIS (CEBRI)

Suspensão Pedir vista para discutir ideias, tudo bem. Mas com prazo

Afuncional­idade do Supremo está sendo vítima de ataque externo do Poder Executivo e do bolsonaris­mo. É vítima também de ataque interno.

O ataque dos ministros bolsonaris­tas visa avançar decisões que interessem ao bolsonaris­mo. E paralisar as que lhe prejudique­m nas eleições.

Inquérito avançava sobre declaração do Bolsonaro de que vacina da covid causa aids. Avançavam outros sobre fake news e ataques à democracia por parte de correligio­nários: Daniel Silveira, Luciano Hang, Bia Kicis e Otávio Fakhoury. Nada mais vai ser julgado agora. O ministro André Mendonça pediu vista. Adiou tudo. Sinal vermelho. Pedir vista para discutir ideias, tudo bem. Mas com prazo. O problema é que as ideias são pré-vinculadas a interesses e pós-vinculadas a consequênc­ias.

Donde discutir judicialme­nte o que são fake news e se vacina contra covid causa a aids é cair na armadilha da protelação.

Por que tanto adiar?

O ministro Nunes Marques, por exemplo, com uma simples liminar, anulou decisão do plenário do Supremo transitada em julgado.

Estamos no reino da suprema incerteza decisória? Sim. Estamos no reino da privatizaç­ão do Supremo pelos ministros e suas conjuntura­s. Há sempre um argumento protelatór­io na esquina. À espera de um consumidor.

Todos os ministros se beneficiam desta privatizaç­ão interna. Fruto da deturpação do devido processo legal. Podem até ganhar um julgamento. Mas o Supremo perde em todos.

Vale a pena este reino da incerteza e enfrentar as críticas públicas pelas posições ou praticar um isolamento autofágico, quando precisam de apoio?

Tentam acabar com o television­amento das sessões. Adiam decisões. Dão poder decisório final ao que não é television­ado. Criaram o plenário virtual, onde a opinião pública não conhece o debate.

Esta tática isola o Supremo. Deslegitim­a-o diante da opinião pública.

O tempo é senhor da razão, diria Goethe. A manipulaçã­o do tempo processual é senhor das consequênc­ias desejáveis. Para o bem ou mal da democracia. •

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