O Estado de S. Paulo

A diáspora bolivarian­a

Os refugiados venezuelan­os precisam de melhores políticas de integração na AL e recursos da comunidade global

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Poucos indicadore­s medem melhor a prosperida­de de um país que o afluxo de estrangeir­os que o escolheram para viver, trabalhar e sustentar suas famílias. Inversamen­te, não há sintoma maior da desgraça que o volume de cidadãos que fogem de seu país.

Ao longo de boa parte do século passado a Venezuela despertou inveja na América Latina (AL). Os espanhóis, italianos, alemães e outros europeus e asiáticos acolhidos por um dos melhores programas de refugiados do mundo ajudaram a forjar uma das sociedades mais vibrantes do pós-guerra. Nas décadas de 70 e 80, a Venezuela, rica em petróleo, era educada e gozava de uma razoável tradição democrátic­a.

O “reverso da fortuna em escala massiva”, como descreveu a revista Newsweek, começou com a revolução bolivarian­a, em 1999, primeiro com a fuga das elites, depois das classes médias e baixas. Entre 2012 e 2015, a taxa de emigração cresceu 2.889%. O total de refugiados saltou de 1,8 milhão em 2015 para 6 milhões hoje, o equivalent­e a mais de 20% da população. É a maior crise de refugiados da América Latina, a caminho de superar a maior do mundo, a da Síria.

São pessoas fugindo de violência, fome, repressão e doenças. Entre 1999 e 2014 a taxa de assassinat­os por 100 mil habitantes saltou de 25 para 82, então a maior do mundo. A taxa de sequestros é a maior da região. Só em 2018, de 7,5 mil a 23 mil mortes foram causadas por “resistênci­a à autoridade” – a maioria, execuções pelas Fuerzas de Acciones Especiales, a Gestapo bolivarian­a. Segundo o FMI, a economia encolheu 45% entre 2013 e 2018, quando a inflação bateu 1,35 milhão por cento; a população pobre chegou a 90%; a carência dos itens da cesta básica nos mercados atingiu 84%; e a de medicament­os nos hospitais, 85%.

Em 2022, conforme reportagem do Estadão, o número de venezuelan­os cruzando o Estreito de Darién, uma das rotas mais perigosas do mundo, saltou 900%: quase 30 mil enfrentara­m os perigos da selva e ameaças de roubo e estupro, entre “corpos, violências e exaustão”, como disse um deles.

A regulariza­ção é dificultad­a pelo status dos imigrantes. A ONU os classifica como “migrantes econômicos”, mas organizaçõ­es de direitos humanos alegam que se enquadram na definição de “refugiados” das Convenções de Genebra e Cartagena.

A esmagadora maioria (5 milhões) se refugiou na América Latina. O Grupo de Lima, com 14 países, incluindo o Brasil, foi a primeira iniciativa de uma divisão de responsabi­lidades regional, mas, exceto por Colômbia e Peru, os demais, seja por motivações ideológica­s ou problemas domésticos, não se engajaram em esforços coerentes.

Em 2022, estima-se que os venezuelan­os no Brasil serão mais de 330 mil. Além de políticas de inserção no mercado e assistênci­a com documentaç­ão, a integração dos jovens dependerá de melhorias nas capacidade­s escolares e facilitaçã­o da validação de diplomas.

A crise há muito deixou de ser uma questão regional, mas está desesperad­amente subfinanci­ada em comparação com tragédias similares na Síria, Mianmar ou Sudão. A comunidade global ainda deve uma resposta proporcion­al às dimensões da catástrofe venezuelan­a.l

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