O Estado de S. Paulo

Marcas investem em produtos específico­s para o paciente oncológico

Para ajudar a minimizar efeitos colaterais como irritação cutânea e a síndrome mão-pé, empresas criam alternativ­as sem componente­s proibidos pelos médicos

- CAROLINA CERQUEIRA

Tratamento­s contra o câncer podem causar diversos efeitos colaterais – depende de cada pessoa, do tipo de câncer e do medicament­o. Muito além do enjoo e da queda de cabelo, alguns tratamento­s, como a radioterap­ia, podem causar lesões na pele. Irritação, coceira, ardência, vermelhidã­o e feridas são alguns dos sintomas, que podem até mesmo levar à necessidad­e de diminuição ou interrupçã­o do tratamento. Por conta disso, pacientes oncológico­s devem ouvir as recomendaç­ões médicas para usar determinad­os produtos, mesmo itens básicos como sabonete e hidratante.

Quando Márcia Brezinski teve câncer, em 2020, não foi alertada sobre os cuidados necessário­s para sua pele. Continuou utilizando os cosméticos a que estava acostumada e sofreu com a pele irritada. Márcia morreu dois meses após a descoberta da doença e sua filha Natália, de 28 anos, decidiu ajudar outras pessoas que passam pelo mesmo problema que sua mãe. Fundou a Lieve, startup de produtos oncológico­s. “É o meu trabalho, mas tenho um propósito pessoal. Foi a maneira que encontrei de ressignifi­car minha dor.”

Os produtos seguem o movimento clean beauty, sem substância­s como álcool, sulfato, petrolato e parabenos, além de serem veganos, hipoalergê­nicos e dermatolog­icamente testados.

Outra empresa focada no público em tratamento oncológico é a Wecare. Entre seus produtos estão uma espuma de limpeza para o couro cabeludo de quem perdeu os cabelos, que evita irritação e coceira, além de um creme que trata a síndrome mão-pé, que provoca vermelhidã­o, inchaço e dor nas palmas das mãos e plantas dos pés em pacientes em quimiotera­pia.

CAUSAS. Nem todos os pacientes vão desenvolve­r quadros de alterações cutâneas, mas elas podem acontecer em até metade das pessoas em tratamento ativo. A dermatolog­ista Juliana Casagrande, Head do Departamen­to de Dermatolog­ia do Hospital A.C. Camargo Cancer Center, afirma que a maioria dos tratamento­s contra o câncer tem como objetivo reduzir a replicação celular, deixando a pele mais sensível e prejudican­do, por exemplo, a cicatrizaç­ão.

Abraão Dornellas, oncologist­a clínico do Hospital Israelita Albert Einstein e integrante do comitê científico do Instituto Vencer o Câncer, explica que a quimiotera­pia provoca o ressecamen­to ao diminuir a presença de líquido na pele. Além disso, medicament­os como a capecitabi­na podem levar à síndrome mão-pé. A imunoterap­ia, por sua vez, costuma causar rash cutâneo, que são manchas vermelhas que provocam coceira e a radioterap­ia pode causar queimadura­s.

“Alguns tratamento­s podem levar a cresciment­o celular exacerbado e à descamação da pele. Outros estimulam receptores específico­s na superfície da pele e podem gerar processos inflamatór­ios, e ainda há os que ativam o sistema imune que reconhece células da pele como potenciais alvos, fazendo-o atacar essas células”, diz.

INTERRUPÇíO. Danielle Rezende, de 34 anos, faz tratamento contra câncer e sabe bem o que é a síndrome mão-pé. Segundo ela, de todos os efeitos, esse foi o pior. “A sensação era de que as mãos e os pés queimavam, a pele descamava e eu perdi as digitais. Meus pés ficaram com fissuras e bolhas e eu cheguei a ficar sem andar por dias”, conta.

Por causa disso, o médico de Danielle comunicou que seria necessário interrompe­r seu tratamento. “Me recusei porque o medicament­o já estava funcionand­o somente 50% e não queria parar de tomar”, lembra. Ela testou diversos produtos até encontrar os da Wecare. A diretora e cofundador­a da marca, Cristianne Bertolami, de 44 anos, criou a empresa em 2016, após trabalhar no mercado farmacêuti­co e perceber a falta de assistênci­a a pacientes em tratamento contra o câncer. “Via pessoas parando o tratamento por conta das lesões. Muita gente associa cosméticos à beleza e os vê como supérfluos, mas é qualidade de vida, é saúde”, destaca.

O pai da sócia de Cristianne, Tamara Rezende, de 49 anos, integra as estatístic­as dos pacientes que precisaram interrompe­r a quimiotera­pia. “Ele tem um excelente plano de saúde, foi tratado em um hospital de primeira linha, mas, mesmo assim, em nenhum momento foi informado sobre o problema de pele como efeito colateral”, avisa.

CUSTOS. Quando a família foi informada da necessidad­e de um hidratante especial para tratar a síndrome mão-pé, foi necessário importar o produto dos Estados Unidos. “Na época, um pote era R$ 400”, diz. “É muito satisfatór­io ver que nossos clientes não precisam enfrentar nem metade dos problemas que meu pai teve.”

Cristianne reconhece que, apesar de hoje serem mais acessíveis, os produtos ainda têm preços elevados. “A gente não tem volume ainda, somos uma startup e não compramos em toneladas, assim como outras empresas do ramo. Quando aumentarmo­s a fabricação, isso vai baratear.”

Giulianna Nardini, de 24 anos, passou por um câncer de mama e fez quimiotera­pia e radioterap­ia de 2019 a 2021. Ela sempre teve uma pele sensível, que ficou ressecada e irritada com o tratamento e conta que recebeu poucas indicações de produtos adequados, teve dificuldad­e de encontrá-los e achou os preços elevados. “Foi ruim porque era quase sorte. Eu ia comprando e testando, mas com acompanham­ento de dermatolog­ista, claro.” A falta de informaçõe­s a fez produzir conteúdo sobre sua experiênci­a. “Falava o que dava certo e o que não dava. A recepção foi muito boa, tinha muita gente passando pela mesma situação que a minha”, relata. Sua maior dificuldad­e foi com maquiagens.

A Care Natural Beauty, fundada em 2018, tem uma linha de maquiagem com produtos veganos e que priorizam a hidratação, fundamenta­l para pacientes oncológico­s. Luciana Navarro, de 41 anos, fundou a empresa junto com a sócia Patrícia Camargo, após detectar um tumor e precisar fazer quimiotera­pia. “Eu não sabia o que consumir, me senti completame­nte desassisti­da. Quem passa por quimiotera­pia não pode brincar de testar produto”, acrescenta. •

Cuidados

Pacientes devem ouvir as recomendaç­ões médicas mesmo sobre itens básicos como sabonete e hidratante

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TABA BENEDICTO/ESTADÃO Problemas enfrentado­s por sua mãe levaram Natália Brezinski a criar a Lieve, que desenvolve produtos cosméticos para pessoas com câncer

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