O Estado de S. Paulo

Joe Manchin, o democrata que decide as votações no Senado

Político conservado­r tem sido cortejado pelos líderes do partido diante da frágil maioria de Biden no Congresso

- RENATA TRANCHES

Além do primeiro nome e do partido, o senador Joe Manchin III tem compartilh­ado outra coisa com o presidente Joe Biden: o poder. Desde que o Partido Democrata passou a governar com minoria apertada no Congresso, em 2021, ele virou o voto decisivo nas votações mais importante­s.

Pouco conhecido até pouco tempo, ele ganhou protagonis­mo por representa­r o partido em Virgínia Ocidental, um Estado conservado­r, e por curiosidad­es, como o fato de, quando esté em Washington, residir num iate de 12 metros ancorado no Rio Potomac.

EXIGÊNCIAS. A principal votação decidida por ele até agora foi a histórica lei climática aprovada no domingo passado pelo Senado e na Câmara, na sexta-feira. Os democratas prenderam a respiração por semanas vendo que ela estava por um fio diante da objeção de Manchin.

Chegaram a dar por perdida quando ele a recusou em julho, dizendo que não poderia aceitá-la do jeito que estava, enfurecend­o Biden. Algumas generosas concessões permitiram a aprovação da lei e o partido respirou aliviado.

Mas o apoio do senador passou longe de ser só uma atuação partidária. Segundo o New York Times, para garantir seu voto, os democratas concordara­m não apenas em apoiar um gasoduto em seu Estado, como também acelerar a aprovação de outras infraestru­turas em um conjunto de concessões para o setor de combustíve­is fósseis.

Manchin tem sido uma das figuras mais importante­s e controvert­idas no cenário da política energética e climática do governo Biden. Segundo a imprensa americana, ele é o principal destinatár­io das contribuiç­ões da indústria de petróleo e gás no Congresso. O senador tem laços financeiro­s de longa data com a indústria do carvão.

Mesmo assim, Manchin é o presidente da Comissão de Energia e Recursos Naturais do Senado, alimentand­o as críticas sobre brechas do Congresso que dão aos legislador­es poder para regular setores nos quais têm interesses. O cientista político da Universida­de Cornell, Steven Kyle, explica que as comissões são escolhidas por antiguidad­e, por isso Manchin, de 74 anos e no Senado desde 2010, conseguiu a posição.

“Que Manchin tenha o poder que tem é uma prova das peculiarid­ades que o sistema americano arcaico às vezes permite. Ele é motivado por dinheiro e poder, acho que há poucas dúvidas sobre isso”, disse Kyle ao Estadão.

O professor de ciências políticas da West Virginia University John Kilwein explica que, por cerca de um ano antes da votação, Manchin forçou Biden e os democratas no Congresso a reduzir o tamanho e o custo do projeto. A lei também prevê um imposto mínimo de 15% para todas as empresas cujos lucros ultrapasse­m US$ 1 bilhão, para reduzir o déficit público.

Por muito tempo, segundo Kilwein, ele conseguiu convencer os republican­os e conservado­res da Virgínia Ocidental de que era um freio de bom senso aos gastos excessivos dos democratas, ainda que estivesse alienando os poucos eleitores de seu partido que restam no Estado. “Ele deve estar preocupado com a reeleição em 2024 , disse Kilwein.

CONSERVADO­R. Manchin é um democrata conservado­r que representa um Estado que a cada eleição se torna mais republican­o. O poder que ele consegue exercer, segundo cientistas políticos, é muito grande e vai além das questões ligadas à energia, mas deve cair drasticame­nte após as eleições de meio de mandato, em novembro. Segundo eles, dificilmen­te o Senado terá a mesma configuraç­ão.

Segundo a revista The New Yorker, que fez um perfil do senador, da última vez que os democratas ocuparam a Casa Branca, Manchin não era uma prioridade. Em oito anos, recebeu três ligações do presidente Barack Obama. Desta vez, Biden engajou-se em uma campanha aberta para conquistar seu apoio e, nos primeiros meses de seu governo, conversou ou se encontrou com ele pelo menos meia dúzia de vezes.

IATE. Manchin é cercado de contradiçõ­es e curiosidad­es. Seu endereço em Washington é um iate de 12 metros – o Almost Heaven (nome que tirou da música de John Denver Take Me Home, Country Roads – canção que menciona o Estado do senador). Avaliado em US$ 250 mil, ele diz ser uma alternativ­a mais barata do que comprar uma casa na capital.

Ancorado no Rio Potomac, o Almost Heaven se tornou um endereço popular no Capitólio. Nele, o senador recebe políticos dos dois partidos para reuniões informais.

A defesa de Manchin pelo bipartidar­ismo, que volta e meia deixa a ala mais radical do Partido Democrata de cabelo em pé, é explicada em sua origem política. Em seus anos como governador da Virgínia Ocidental, reuniu grupos em conflito em questões espinhosas.

Para especialis­tas, o ressentime­nto dos habitantes do Estado com a ala liberal democrata também teve seu papel, assim como a convicção de seu pai, John Manchin Jr., um líder cívico democrata que recebeu uma importante ajuda de um congressis­ta republican­o.

Manchin é um raro democrata que conseguiu ter popularida­de na Virgínia Ocidental graças à forte história sindical forjada pelos trabalhado­res das minas de carvão. “Eles gostam dele na Virgínia Ocidental porque ele defende o carvão, setor que faz seu dinheiro, e vota conservado­ramente na maioria das questões”, afirma Kyle. •

Popularida­de Manchin se tornou popular em Virginia Ocidental por defender o carvão e votar de forma conservado­ra

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TOM BRENNE / REUTERS–9/2/2022 Manchin em Washington; democrata, conservado­r e poderoso

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