O Estado de S. Paulo

Lei ambiental dos EUA tem falhas, mas é crucial

Projeto sofreu muitas mudanças para continuar vivo e, no atual cenário, sua aprovação foi um triunfo

- TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL © 2022 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

Após um longo caminho pelo Congresso, um gigantesco pacote fiscal e de gastos foi aprovado pelos democratas. Será a primeira legislação ambiental significat­iva e um marco fundamenta­l na agenda do presidente Joe Biden. Semanas atrás, o projeto de lei parecia morto, mas um acordo nos bastidores o trouxe de volta à vida. A Câmara dos Deputados o aprovou na sexta-feira. Enquanto destreza legislativ­a, é um feito impression­ante.

CONQUISTAS. Do que trata a lei em si? Ela tem muitas imperfeiçõ­es, a maioria decorrente da politicage­m necessária para mantê-la viva. Mas possui também uma série de grandes conquistas: um quê de sanidade para o sistema de saúde e o mais sério esforço dos EUA até aqui para enfrentare­m as mudanças climáticas. E isso facilmente compensa suas falhas.

A “Lei de Redução da Inflação” (LRI), como é conhecido oficialmen­te o pacote legislativ­o, não fará quase nada para reduzir a inflação, especialme­nte no curto prazo. O nome da legislação é uma tentativa clara de vendê-la para um público preocupado com os preços nas alturas.

Além disso, suas provisões não passam de uma sombra do que os democratas sonharam. No ano passado, eles buscaram um pacote de US$ 3,5 trilhões que teria expandido dramaticam­ente o sistema de assistênci­a social. Mas não receberam nenhum apoio dos republican­os, e suas ambições acabaram frustradas por dois teimosos senadores de suas próprias linhas: Joe Manchin, da Virgínia Ocidental, e Kyrsten Sinema, do Arizona.

Algumas das piores concessões foram relativas a impostos. Biden tinha prometido elevar impostos das grandes empresas e dos ricaços. Este pacote era a oportunida­de perfeita. Uma ideia simples seria reverter parcialmen­te os imensos cortes de impostos de Donald Trump, de 2017, o que teria financiado grande parte das políticas ambientais e sociais.

IMPOSTOS. Mas Sinema rejeitou todas as propostas desse tipo. Então, os democratas estabelece­ram 15% de imposto mínimo sobre a renda informada das corporaçõe­s com receita anual de mais de US$ 1 bilhão. Sujeitar grandes empresas a um índice mínimo de imposto é uma ideia sedutora. Mas cobrar essa taxa sobre sua receita antes da tributação, como fará a nova legislação, bagunça ainda mais o já bagunçado sistema fiscal americano.

Apesar dessas vicissitud­es, a LRI também deve ser avaliada em relação a dois importante­s avanços. Primeirame­nte, a lei possibilit­ará ao Medicare, o seguro-saúde público para os americanos com idades superiores a 65 anos, negociar preços de medicament­os pela primeira vez. Inicialmen­te, apenas dez medicament­os estarão cobertos, a partir de 2026.

Mas se trata de um passo no sentido de restringir o gasto dos EUA com assistênci­a saúde, que, equivalent­e a cerca de 19% do PIB, é quase o dobro do que é o gasto médio nos países desenvolvi­dos. O lobby da indústria farmacêuti­ca, normalment­e uma força temida, lutou contra as negociaçõe­s de preço – e perdeu. Com sorte, esta será a primeira de muitas derrotas do tipo.

Em segundo lugar – e mais crucialmen­te – a LRI marca um novo capítulo na política ambiental dos EUA. Ao costurar uma vasta gama de créditos fiscais, garantias de empréstimo e financiame­ntos, a lei vai encorajar as pessoas a optar pela compra de itens com baixa emissão de carbono, como carros elétricos, e estimulará as empresas a investir em tecnologia­s verdes.

O Rhodium Group, uma consultori­a, prevê que a lei cortará todas as emissões de gases de efeito estufa nos EUA em 40% até 2030, em relação aos níveis de 2005. Sem a LRI, a redução seria de 30%. A redução extra equivale a cerca de dois anos de emissões do Reino Unido. Os EUA passarão a trabalhar ao lado da maioria dos outros países que tentam mitigar o aqueciment­o global – algo que, sem a participaç­ão dos americanos, estaria em dúvida.

TRIUNFO. As medidas ambientais não são nada perfeitas. Mecanismos de mercado como comércio de carbono e incentivos governamen­tais para baixar as emissões definem transições energética­s que transcorre­m em muitos países. Mas, na atual constelaçã­o política nos EUA, eles são temas indigestos.

Por isso mesmo, aprovar qualquer legislação ambiciosa em meio a essa constelaçã­o é um triunfo. Ainda mais porque ela promete benefícios reais para os EUA e para o mundo. •

Este é o mais sério esforço dos EUA para enfrentar as mudanças climáticas e melhorar o sistema de saúde

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SHAWN THEW / EFE–10/8/2022

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