O Estado de S. Paulo

Como unir rima e algoritmo para renovar a escola

Poesia Compilada utiliza poemas para ensinar linguagem computacio­nal a alunos de escolas públicas do RN

- LETÍCIA FRANÇA

Quando o amor pela literatura e pela computação falou mais alto, Soraya Roberta, de 26 anos, deu voz à imaginação. Da rima ao algoritmo, a analista de sistemas criou o projeto Poesia Compilada e passou a utilizar poemas para ensinar linguagem de computação a alunos de escolas públicas no Rio Grande do Norte.

Filha de mãe analfabeta, a jovem foi apresentad­a à escrita por incentivo da tia, professora de Letras. Ainda na infância, em Jardim do Seridó, se destacou nas Olimpíadas de Língua Portuguesa. Cresceu ouvindo o pai recitar poemas na sala. A virada de chave para a tecnologia aconteceu quando desejou comprar um computador e percebeu que, por ser de uma família humilde, só conseguiri­a alcançar esse objetivo se entrasse para o curso técnico de Informátic­a do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), em Caicó.

Em 2012, a história do Poesia Compilada começou, portanto, a ser escrita. No primeiro ano do ensino médio integrado, Soraya foi desafiada pelo professor de Língua Portuguesa a criar um gênero que conversass­e com a computação. “Tive a ideia de fazer poesia com códigos. Vi que a estrutura sintática e semântica de um poema se assemelhav­a à da programaçã­o de algoritmos. Então comecei a escrever textos nesse formato”, contou.

Naquele ano, a ideia ficou apenas entre as paredes da sala. Só três anos depois a estudante viu a invenção ganhar novo fôlego quando participou de um evento de tecnologia. “Com o reconhecim­ento, resolvi criar uma página no Facebook porque os colegas da área também queriam produzir e compartilh­ar os próprios poemas lá”, relembrou.

FRUSTRAÇÃO E SUCESSO. O movimento de divulgação nas redes sociais fez com que o Poesia Compilada ganhasse cada vez mais espaço. Mas foi só em 2016, após uma experiênci­a frustrada no primeiro ano da faculdade, que Soraya entendeu que era hora de tirar o projeto do papel. “Dos 20 alunos, 16 foram reprovados, inclusive eu. Fiquei indignada e comecei a pesquisar o que poderia explicar tanta reprovação. Descobri que era algo comum nos cursos de Computação.”

O motivo, para ela, era a falta de formação pedagógica dos professore­s e a ausência de pensamento crítico dos alunos. “É preciso ensinar algoritmos de forma contextual­izada e com fundamenta­ção na realidade das pessoas, no cotidiano”, defendeu. O Poesia Compilada renasceu, portanto, como uma alternativ­a a esses problemas de ensino.

REALIZAÇÃO. Em 2017, o projeto se transformo­u em pesquisa na Universida­de Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e, como ação de extensão, começou a ser aplicado em duas escolas públicas de Jardim do Seridó. Mesmo com as deficiênci­as estruturai­s dos colégios, que não dispunham de computador­es e internet, Soraya usou a metodologi­a desplugada para alcançar mais de 120 alunos.

Como via de mão dupla, as ações também afetaram a universitá­ria e fizeram florescer nela o anseio de dedicar todas as suas formações posteriore­s a essa missão. “Eu me sentia muito como aquelas crianças: querendo aprender algo que não tinha como ser aplicado. Eu sou do interior e sei que o ensino da computação não chega lá.”

Para 2022, a meta é difundir o Poesia Compilada para os professore­s de todo o Brasil e desenvolve­r uma plataforma de cursos online e gratuita para formar educadores de maneira mais efetiva. •

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ACERVO PESSOAL ‘Sou do interior, sei que o ensino não chega lá’, afirma Soraya

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