A metástase da desigualdade
Os remédios oferecidos pelos populismos à direita e à esquerda são só mais dos mesmos venenos que a intensificaram
Na última década a pobreza e a desigualdade no Brasil aumentaram. O ciclo iniciado pelos desmandos da gestão lulopetista de Dilma Rousseff foi agravado pela pandemia e pela crise dentro da crise fabricada pela incúria e a má-fé de Jair Bolsonaro.
Segundo o Boletim Desigualdade nas Metrópoles compilado com dados do IBGE pela PUC-RS em parceria com o Observatório das Metrópoles e a Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina, entre 2014 e 2021 a pobreza e a miséria nas populações metropolitanas atingiram um recorde, saltando, respectivamente, de 16% para 23,7% e de 2,7% para 6,3%. Todos os estratos de renda experimentaram contração em seus rendimentos, mas a queda foi mais expressiva entre os mais pobres. A desigualdade medida pelo Coeficiente Gini subiu de 0,538 para 0,565, outro recorde.
Desigualdade e pobreza estão sempre interligadas. Seja lá qual for a causa e qual a consequência, países mais desiguais tendem a ser mais pobres – e vice-versa. A mesma correlação se vê entre inclusão social e democracia: quanto mais próspero é um país, mais igualitário ele é.
Como lembram os pesquisadores, entre as várias sequelas da desigualdade estão o esgarçamento do tecido social, o desperdício de talentos, o enfraquecimento das instituições democráticas e a redução da capacidade de crescimento econômico. Nas metrópoles, a pobreza está visceralmente conectada a mazelas como a violência, más condições de moradia e de acesso e qualidade dos serviços públicos e barreiras ao exercício da cidadania.
Para enfrentar essa metástase, é preciso ter em mente suas heterogeneidades. Dados levantados pelo Ipea mostram que a pobreza cresceu ainda mais nas áreas rurais do que nas metropolitanas. Regionalmente, os focos estão no Norte e no Nordeste. E em termos etários, as crianças são mais pobres e têm menos proteção social, enquanto os idosos são mais ricos e têm mais proteção.
Na concertação de políticas públicas, é preciso evitar tanto a miopia própria da direita, que prioriza o crescimento econômico, mas negligencia programas sociais, quanto a miopia inversa à esquerda. Se a ampliação das classes pobres expõe a necessidade de programas de assistência e transferência de renda, a vulnerabilidade da classe média e a desaceleração da mobilidade social mostram que essas medidas só são sustentáveis se combinadas a programas de desenvolvimento, capacitação e produtividade.
Nada diferencia mais o populista do estadista que o entendimento da relação entre o fiscal e o social. Para o primeiro eles são antagônicos; para o segundo, interdependentes. Sem dinheiro em caixa e contas públicas arrumadas, não há como garantir recursos para programas assistenciais e a confiança que gera crédito para os mercados, viabilizando a ampliação do emprego e da renda.
Até o momento, contudo, a disputa à Presidência está polarizada entre dois populismos, à direita e à esquerda. Lamentavelmente, o eleitorado parece inclinado a eleger como remédio para a desigualdade e a pobreza o mesmo veneno que as intensificou.l