O Estado de S. Paulo

Tendência de uso de termelétri­cas fósseis é permanente

Decisões do Executivo e do Legislativ­o esticam vida útil de usinas poluidoras

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Em 2021, o pior regime de chuvas registrado pelo Brasil em mais de nove décadas reduziu o nível dos reservatór­ios das usinas hidrelétri­cas a quantidade­s críticas críticos, situação que obrigou a uma nova autorizaçã­o para o despacho de geração por termelétri­cas movidas a gás, carvão, óleo combustíve­l e urânio (usinas nucleares).

Uma estimativa divulgada pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) mostrou que a geração de energia por meio de usinas termelétri­cas dessas fontes fósseis quase dobrou entre janeiro e setembro de 2021 em relação ao ano anterior, para 81,2 terawatt-hora (TWh), com inevitávei­s impactos nocivos tanto nos preços finais para o consumidor quanto para as emissões de gases do efeito estufa.

Mas a presença mais acentuada do uso de termelétri­cas não se resume ao período de crise como o do ano passado. O avanço da matriz fóssil na geração de energia elétrica tem sido constante nas últimas décadas, independen­temente dos ciclos hídricos ou dos acordos internacio­nais assinados pelo Brasil com o objetivo de descarboni­zar a economia.

A tendência está longe de ser interrompi­da, levando em consideraç­ão as últimas decisões do governo federal e do Poder Legislativ­o. No início do ano, por exemplo, foi promulgada pelo presidente Jair Bolsonaro uma lei que estendeu até 2040 a contrataçã­o pelo governo da energia gerada pelo complexo termelétri­co Jorge Lacerda, em Santa Catarina, que é movido a carvão.

Além disso, no Rio de Janeiro, avançou a obtenção de autorizaçõ­es para a construção de um complexo termelétri­co a gás na Baía de Sepetiba. Isso sem contar a aprovação da lei que permitiu a capitaliza­ção da Eletrobras – visando à sua privatizaç­ão –, que incluiu a obrigatori­edade da instalação e compra de 8 mil gigawatts (GW) de termelétri­cas a gás em todas as regiões do Brasil. E em outubro passado, a Aneel fez um leilão de compra de energia termelétri­ca emergencia­l cujo resultado foi a contrataçã­o de 17 novas usinas até 2025, sendo 14 movidas a gás natural. Quase todas estão com as instalaçõe­s atrasadas.

Para André Luís Ferreira, diretor-presidente do Iema, há um forte discurso de que a segurança do abastecime­nto do sistema só pode ser garantida pelas termelétri­cas. “Há uma narrativa de que a energia solar e a eólica são fontes variáveis porque não se tem controle sobre o sol e o vento. Como precisa ter um backup, o caminho para garantir a ausência de eólica e solar seria ter usinas termelétri­cas fósseis. Mas essa é uma leitura. Existem outros caminhos”, avalia Ferreira.

Existem várias linhas a seguir em termos de backup, segundo o especialis­ta do Iema. “Hidrelétri­ca entra mais rápido no sistema e energias alternativ­as mais limpas podem ser complement­ares. Precisamos de novas fontes. O hidrogênio pode fazer esse papel no longo prazo”, prevê.

O foco exacerbado nas térmicas fósseis também traz riscos ambientais, destaca Ferreira. As térmicas, além de contribuir para o efeito estufa, geram poluição atmosféric­a nas regiões onde operam. “E precisam ter um sistema de resfriamen­to, que usa grandes volumes de água”, diz o especialis­ta. Dependendo da bacia onde a usina está localizada, o impacto é muito grande. Por isso, muitos novos projetos estão instalados perto da costa, para poder usar a água do mar no dia a dia da operação.

A renovação da aposta nas térmicas a carvão, beneficiad­as pelo Programa de Transição Energética Justa (TEJ), se configura como um dos maiores riscos para o atraso na descarboni­zação do setor. Pelos dados do Iema, na lista dos 10 empreendim­entos termelétri­cos com maiores taxas de emissão de gases do efeito estufa em 2020, oito eram movidos a carvão mineral.

Para a Associação Brasileira de Geradoras Termelétri­cas (Abraget), as críticas contra a tecnologia são exageradas. A entidade considera que as usinas térmicas são complement­ares à geração hidrelétri­ca e às fontes renováveis e garantem a segurança do abastecime­nto dado o caráter intermiten­te das demais. Além disso, segundo a entidade, as novas usinas são mais eficientes, produzindo mais e com menos emissões de carbono do que no passado.

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