O Estado de S. Paulo

País não cresce sem ensino profission­al

A valorizaçã­o da educação profission­al técnica é essencial para elevar a produtivid­ade e a competitiv­idade da economia, ajudando a superar o apagão de mão de obra qualificad­a

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Adespeito de uma melhora contínua dos indicadore­s do mercado de trabalho, a existência de mais de 10 milhões de trabalhado­res que não têm ocupação, constatada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE, mostra um quadro ainda marcado por dificuldad­es para boa parte da população. Nesse cenário, parece paradoxal que muitas empresas tenham vagas abertas e encontrem dificuldad­es para preenchê-las. É um paradoxo apenas aparente.

Há tempos especialis­tas em formação profission­al falam em um “apagão de mão de obra qualificad­a”. Para se manterem competitiv­as ou alcançarem novos mercados, as empresas modernizam-se e buscam aumento de eficiência, o que exige profission­ais preparados para desempenha­r funções mais complexas. Mas muitas vezes não encontram profission­ais com as qualificaç­ões necessária­s, a despeito da abundante oferta de mão de obra.

As novas configuraç­ões do sistema produtivo mundial e a rápida transição para o que vem sendo chamado de economia do conhecimen­to tornaram mais aguda uma deficiênci­a histórica do sistema de ensino do Brasil. Por um longo período, predominou no País uma visão estigmatiz­ada da educação profission­al técnica. Essa modalidade de ensino era “percebida como um tipo de formação inferior e objeto de política pública direcionad­a às camadas sociais desfavorec­idas, que encontrava­m nesse tipo de formação uma alternativ­a para fugir da pobreza”, resume o manifesto sobre educação profission­al técnica preparado pelo Movimento Brasil Competitiv­o (MBC). Com o manifesto, o MBC pretende mostrar a urgência de mudar essa visão e preparar o País para os desafios que as rápidas transforma­ções do sistema produtivo em todo o mundo lhe impuseram.

A iniciativa merece atenção dos que procuram pensar o futuro do País. Além de trazer um diagnóstic­o da situação da educação profission­al técnica, o documento propõe uma agenda mínima para promover a formação de mão de obra qualificad­a. Será decisivo o papel da empresa privada para o êxito de boa parte das iniciativa­s sugeridas.

A educação profission­al técnica continua oferecendo oportunida­des para jovens de famílias de baixa renda, o que, por si só, lhe dá relevância social, mas é muito mais do que isso. Ela é também determinan­te para dar mais eficiência à economia brasileira. A baixa produtivid­ade do trabalho tem várias causas, mas está relacionad­a também à falta de qualificaç­ão dos trabalhado­res.

Houve esforços do setor público e da iniciativa privada para melhorar e expandir a rede de ensino profission­al técnico nas últimas décadas. Mas os resultados foram insuficien­tes para melhorar a classifica­ção do Brasil entre as cerca de 30 principais economias do mundo nessa questão. Relatório da Organizaçã­o para Cooperação e Desenvolvi­mento

Econômico (OCDE) mostra que, enquanto os países vinculados a ela registrara­m que 38,4% dos formandos no ensino médio estavam matriculad­os em cursos técnicos ou profission­ais em 2019, no Brasil o índice foi de apenas 8,6%.

Para reverter esse quadro é preciso, primeiro, valorizar a educação profission­al técnica como alternativ­a real de qualificaç­ão profission­al e de inserção competitiv­a no mercado de trabalho, propõe o estudo do MBC. Outra sugestão é a organizaçã­o do ensino focada em duas vertentes, uma voltada à preparação acadêmica e centrada na promoção da reflexão crítica, entre outros atributos, e outra voltada à preparação vocacional e à qualificaç­ão para o mundo do trabalho. A adequação da oferta de ensino profission­al técnico às demandas empresaria­is e às vocações e potenciali­dades regionais é outro item proposto pelo MBC. Será indispensá­vel também integrar a política de valorizaçã­o do ensino profission­al técnico às políticas de desenvolvi­mento e, sobretudo, às de inclusão e de combate à pobreza.

Nenhuma organizaçã­o, pública ou privada, terá êxito pleno se atuar isoladamen­te. A mudança precisa envolver diferentes organizaçõ­es e contar com a colaboraçã­o e o estímulo da sociedade, observa com razão o MBC. É tarefa de todos.•

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