O Estado de S. Paulo

Mais Burke, menos Lula e Bolsonaro

- Felipe Moura Brasil E-mail: felipe.brasil@estadao.com

Oexpedient­e comum entre petistas e bolsonaris­tas de associar aos rivais quem não segue a visão estreita de seus respectivo­s grupos não é novidade.

O dualismo é endêmico de tal modo na história humana que até o pensador irlandês e pai do conservado­rismo, Edmund Burke (1729-1797), então atuante no Parlamento britânico, foi acusado de traição por correligio­nários simpáticos à Revolução Francesa.

Como conta Yuval Levin no livro O Grande Debate, Burke “achava que os debates de sua própria época não tinham semelhança real com os de 1668”, ano da chamada Revolução Gloriosa que levou à deposição de Jaime II e à coroação de Guilherme de Orange e Maria Stuart como rei e rainha da Inglaterra.

A posição de Burke, segundo Levin, era que “os whigs de 1688, como defensores da antiga ordem inglesa, buscaram solucionar uma severa crise de legitimida­de encontrand­o meios de preservar a estrutura do regime e a linha de sucessão, a despeito do terrível comportame­nto do monarca, em vez de recomeçar sobre novos princípios”. Nas palavras de Burke, foi “uma revolução não realizada, mas evitada”, não “um viveiro para revoluções futuras” em nome do combate ao poder absolutist­a.

Para ele, de acordo com Levin, a “noção simplista”, portanto, de que os whigs deveriam ser

Só os cúmplices devem lealdade a movimentos radicais e corrompido­s

também favoráveis à revolução iniciada em 1789 e que “estar contra os radicais franceses transforma­va alguém em tory” era uma “distorção do significad­o da crise”; mas muitos de seus colegas whigs “o acusaram de trair os princípios do partido”.

O autor explica que “a objeção de Burke à revolução total se baseia em seu horror à perspectiv­a de abandonar tudo que foi arduamente conseguido em séculos de lentas e incrementa­is melhorias e mudanças”, de modo que ele “defende que as melhorias políticas devem ser conseguida­s por intermédio de reformas cumulativa­s”, não pela eliminação dos fardos acumulados do passado e pelo recomeço integral.

Para Burke, já não fazia sentido falar em whigs e tories, pois “os excessos e corrupções da própria revolução haviam distorcido e transforma­do a política inglesa”, deixando para trás as disputas sobre as prerrogati­vas do rei versus as do Parlamento. Como resultado, a questão definidora passou a ser a da revolução e da reforma.

Ou seja: o pai do conservado­rismo combateu o radicalism­o de fora e de dentro de seu grupo quando percebeu, na adesão cega a um movimento similar apenas na aparência a outro do passado, os riscos para a conservaçã­o das prerrogati­vas do regime existente.

Viva o “traidor”! •

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