O que levou o Ibovespa à maior sequência de altas desde março
Rali visto nos últimos dias está ligado à melhora do humor global e aos preços baixos de ações na Bolsa; porém, eleições presidenciais devem causar volatilidade nos papéis
O Ibovespa encerrou a semana passada com alta acumulada de 5,91%, aos 112,764.26 pontos. Já são quatro semanas consecutivas de altas e, neste período, o índice de referência da B3 conseguiu arrancar a mais longa sequência de valorização registrada desde março deste ano, com sete pregões consecutivos de alta até a quarta-feira, 10.
Os atuais 112 mil pontos representam um avanço significativo, levando em consideração que, ainda em junho, o Ibovespa lutava para se manter perto dos 93 mil pontos durante os pregões mais negativos do mês. O desempenho dos últimos dias surpreende até os mais otimistas: somente em agosto, a alta já chega a 9,31% , levando o desempenho acumulado no ano para 7,58% de crescimento.
“De certa forma, o movimento atual também tem uma correção técnica, com uma percepção de que o posicionamento e sentimento anteriores estavam muito negativos. Assim como há a sensação de que o Ibovespa é negociado a múltiplos historicamente baratos”, afirma Alexsandro Nishimura, economista e sócio da BRA.
No começo de agosto, analistas destacaram alguns pontos que deveriam estar no radar dos investidores, como a possibilidade recessão nos Estados Unidos, lockdown na China, a temporada de balanços das empresas brasileiras e as eleições presidenciais. Duas semanas depois, esses fatores caminharam para um lado mais positivo na visão dos investidores – o que, somado aos preços descontados da bolsa, explicam grande parte do rali visto nos últimos dias
“É uma junção de várias coisas, mas tem um driver global importante que é a expectativa que a inflação dê uma acalmada nos próximos meses, o que possibilitaria que os Bancos Centrais não fossem tão duros e não retirassem tantos estímulos monetários de suas respectivas economias”, explica Thalles Franco, gestor de renda variável da RPS.
INFLAÇÃO. Nos EUA, o índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) de julho mostrou a inflação perdendo força, acima das expectativas do mercado; no Brasil, o IPCA registrou deflação de 0,68% no mês. Por aqui, o BC já demonstrou que está próximo de encerrar o ciclo de alta nos juros. “Com os últimos dados já mostrando algum alívio, diminuiu o risco de recessão, principalmente no curto prazo. Isso animou muito as bolsas”, diz Ivonsir Coelho, da Alta Vista Investimentos.
A melhora das expectativas sobre o aperto monetário nos EUA melhorou o apetite global ao risco, no mesmo momento em que a temporada de resultados do 2.º semestre do ano começava. Desde o final de julho, as empresas brasileiras na bolsa vêm divulgando seus balanços, e muitas surpreendendo o mercado.
A Petrobras, por exemplo, que representa a segunda maior parcela do índice da B3, anunciou a distribuição de ‘superdividendos’ após os resultados do 2.º trimestre. Em agosto, o papel preferencial da companhia valorizou 13,78% – no acumulado de 2022, as ações preferenciais e ordinárias ocupam respectivamente o segundo e o terceiro lugar entre as maiores altas. “O mercado aguardava o que as empresas reportariam e, de repente, em um cenário que todo mundo considera adverso, boa parte delas conseguiu resultados bem expressivos e positivos”, afirma Naor Coelho, da Infinity Asset.
As três ações do Ibovespa que mais subiram na primeira quinzena de agosto foram: Locaweb, Positivo e Azul, todas com saltos acima de 40%. O setor de tecnologia vem sendo beneficiado pela possibilidade de a Selic ter terminado o seu ciclo de alta na última reunião do Copom.
No acumulado do ano, quem se destaca é a Cielo. A companhia de serviços financeiros teve alta de 136,32% e terminou a sexta-feira cotada a R$ 5,27.
CAUTELA. Alguns fatores precisam ser acompanhados antes de definir se o movimento de valorização dos últimos dias é o início de uma nova fase no mercado brasileiro, ou só um repique.
O primeiro deles é o fluxo de capital estrangeiro na B3. Muito importante para sustentar o nível do Ibovespa, a entrada de capital de fora foi fundamental para o bom resultado do primeiro trimestre do ano e, sua saída, responsável pela performance ruim nos meses seguintes. Mas os estrangeiros parecem ter retornado à bolsa em agosto.
“O investidor estrangeiro estava bem fora da bolsa, mas entre os dias 1.º e 9 de agosto já entrou com quase R$ 5 bilhões em posição comprada. Eles fazem um contraponto à saída recente que vimos de investidores institucionais e pessoas físicas”, destaca Naor Coelho.
Mas esse é um ponto que também pode ser negativo. Coelho explica que, como os estrangeiros costumam entrar em empresas de maior liquidez, a qualquer momento – ou aumento na percepção de risco – podem levar esse dinheiro embora.
Por causa disso, os movimentos de realização podem ser comuns daqui para a frente, principalmente com fatores como as eleições presidenciais. A preocupação com a situação política também é o que faz Franco, da RPS, manter o pé atrás mesmo com as altas no Ibovespa.
Na avaliação do gestor, a valorização pode ser apenas um repique de uma bolsa muito descontada, mas que ainda tem alguns problemas estruturais pela frente. “Essa valorização até pode continuar por mais um, ou dois meses. Porém, em relação ao ano que vem, há bastante preocupação com a questão fiscal, além de uma expectativa de baixo crescimento”, explica Franco. “Ainda não acredito em uma recuperação estrutural que poderia levar a bolsa de volta aos 130 mil pontos.” •
Investidores de fora voltaram para a Bolsa em agosto, o que contribui para o crescimento