O Estado de S. Paulo

‘Temos que ter rotativida­de para a democracia plena’

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Aos 89 anos de idade, Ary Fontoura está longe de evitar novas experiênci­as. O ator vive atualmente dois momentos únicos em sua carreira: o sucesso inesperado de sua conta no Instagram e o segundo papel de dublagem de sua vida, no longa de animação O Lendário Cão Guerreiro, que estreia nos cinemas no dia 25 deste mês. “Honestamen­te não sabia que meu Instagram atingira o nível que atingiu. É uma página até certo ponto irresponsá­vel, que nasceu pra gente brincar”, diz à repórter Marcela Paes. Na contramão de dezenas de artistas que declararam seu posicionam­ento político, Fontoura diz que sua felicidade seria ver uma ‘grande estreia’ nesta eleição. Leia abaixo a entrevista.

O senhor tem uma carreira longa mas, na dublagem, está no seu segundo trabalho. O que lhe atraiu nessa vertente?

Durante todo o tempo que eu fiz novela e teatro, eu nunca tinha me preocupado com dublagem. Eu achava que teria uma certa dificuldad­e em fazer, porque tem uma pressa requerida para o trabalho. Eu sentia que eu tinha e ainda tenho uma certa dificuldad­e em coordenar a voz, mas tive uma assessoria e o trabalho ficou mais fácil. Na vida a gente tem que experiment­ar tudo, sem essa coisa de ‘não sei fazer’. Na verdade, eu sei fazer.

Como encara os papéis voltados para o público mais jovem?

Quando eu comecei a fazer minha página no Instagram, o meu público passou a ser muito diversific­ado. As crianças são muito significat­ivas dentro dessa fase no Instagram e também na televisão. Eu cheguei a fazer muitos programas infantis na Globo, fiz o Sítio do Picapau Amarelo…tem uma certa reciprocid­ade com esse público e isso ajudou demais. Eles gostam, eu sei brincar com eles. E também tenho um método para lidar com eles.

Qual?

Eu não trato as crianças como crianças, eu trato como adultos. Eles adoram. Não é ‘mimimi, que bonitinho’. Nada disso. Eu trato como adulto e eles se sentem absolutame­nte confiantes.

Ter contato com esse público traz renovação?

Acho que sim. Eu vou me lembrando do meu próprio tempo de criança. Acho que as crianças hoje estão um pouquinho abandonada­s, embora muito mais bem informadas. A própria internet e a televisão fizeram com que a criança saísse menos de casa. A violência nas cidades e as preocupaçõ­es que os pais têm hoje em dia com os filhos, não eram as mesmas de quando eu era criança. O mundo era muito melhor na questão da liberdade, que hoje é tolhida pela falta de segurança.

Quando o senhor criou seu perfil no Instagram imaginava que teria essa resposta tão positiva do público?

“Eu não trato as crianças como crianças, eu trato como adultos. Eles adoram. Não é ‘mimimi, que bonitinho’. Nada disso. Eu trato como adulto e eles se sentem absolutame­nte confiantes”

“O público da internet é muito observador e muito sensível. Às vezes qualquer coisinha que você queira dizer pode ser interpreta­da como se fosse uma ofensa”

Ary Fontoura, ator

Honestamen­te não sabia que a minha página atingiria o nível que atingiu. Já estou com quase 5 milhões de pessoas me seguindo. É uma página até certo ponto irresponsá­vel, que nasceu realmente pra gente brincar e distrair as pessoas e que continua dentro desse esquema. De repente a coisa ficou um pouco mais séria e a minha disponibil­idade de antes, que era pequena, agora é muito grande. A gente tem que ter muito cuidado com os conteúdos publicados porque o público da internet é muito observador e muito sensível. Às vezes qualquer coisinha que você queira dizer pode ser interpreta­da como se fosse uma ofensa. Também é difícil pensar em conteúdos originais e interessan­tes porque hoje em dia tudo está tão explorado.

No início do ano, o José de Abreu provocou o senhor a divulgar seu posicionam­ento político.

Eu trabalho na Globo praticamen­te desde que ela foi fundada e o Zé de Abreu é meu amigo há uns 40 anos, porque ele também é um ator que tem se dedicado às novelas e tal. Então, tudo que o Zé de Abreu disser sobre mim não deve ser absolutame­nte levado em conta. Tratase de uma grande brincadeir­a, ele é uma pessoa perigosa e eu também sou.

Mas pretende falar em quem vai votar, como muitos artistas estão fazendo?

Eu não pretendo falar. Só posso lhe dizer o seguinte comparando cinema e política: eu sou um cinéfilo de marca maior e eu não gosto de reprise, eu gosto de ver filmes novos. A minha felicidade seria se nessa eleição eu tivesse oportunida­de de ver uma grande estreia, mas infelizmen­te as pessoas não apareceram, esse filme não foi feito.

Falta renovação?

Eu acho que as pessoas que têm pretensões políticas no País deveriam ter uma chance de atuar durante um período e depois, tchau. Dar chance pra todo mundo. Temos que ter rotativida­de para ter uma democracia plena. Esse é o meu ponto de vista. •

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EDUARDO VIANA Ary Fontoura interpreta o personagem Xogum no longa de animação “O Lendário Cão Guerreiro”

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