O Estado de S. Paulo

‘Fechamos o cerco para que não levem nossos clientes’

Presidente do BB fala sobre estratégia que resultou em lucro recorde, acima da concorrênc­ia

- MATHEUS PIOVESANA

Formado em direito e administra­ção, tem especializ­ação em economia pela George Washington University e MBA pelo Ibmec

Com cerca de 80 milhões de clientes e crescendo, o Banco do Brasil é cioso de sua posição de mercado. Há um ano e quatro meses na presidênci­a da instituiçã­o, Fausto Ribeiro acredita que parte da fórmula que levou ao maior resultado trimestral da história (lucro líquido ajustado de R$ 7,8 bilhões entre abril e junho, que superou o dos concorrent­es privados) veio de uma visão que busca, em resumo, evitar que os clientes deixem o banco apenas para ganhar taxas mais altas em produtos isolados. “Ao olhar o retorno ajustado pelo risco (RAR), no passado deixávamos de fazer algumas operações”, disse ele ao Estadão/broadcast. “Se eu o deixo (cliente) ser abordado por outro banco, abro uma janela arriscada. Nós tentamos fechar o cerco.” Com o lucro crescente, investidor­es costumam testar o BB sobre possíveis aumentos da distribuiç­ão de dividendos. Neste ano, o governo se juntou ao coro. O BB disse não, e Ribeiro nega pressões. “Nunca houve qualquer pressão por parte do governo para pagarmos mais dividendos.”

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.

Você disse que o BB deve buscar mais parceiros no exterior. Já há discussões?

Para expandirmo­s o negócio, precisamos ter opções. Tem um número do Banco Central de que existem US$ 204 bilhões declarados de brasileiro­s no exterior, em patrimônio. Olha o tamanho desse mercado. Montar uma assessoria qualificad­a no exterior requer tempo e investimen­to. Quem tem isso pronto? Grandes players: Jpmorgan, Principal, a própria UBS. Como tínhamos uma parceria com a UBS, pedimos para que nos abrissem a porta no mercado americano. Mas a ideia é não ter exclusivid­ade. Primeiro, vamos desenhar o processo com a UBS e, com a experiênci­a, abrimos o leque.

Todo mundo está tentando resolver isso via aquisições. O BB não?

Nós já temos o nosso banco, que tem a porta com os empresário­s brasileiro­s. Do que os investidor­es precisam? De um banco, da corretora, que é a BB Securities, e de um advisory (empresa consultiva).

Como está a busca por um sócio para a BB Asset?

Temos a estratégia de encontrar um parceiro estratégic­o, de porte internacio­nal, para termos reações mais rápidas, que possam melhorar a gestão em termos de ferramenta­s, trazer tecnologia e essa internacio­nalização. O processo avançou, e (o resultado) deve sair até o fim do ano.

Os bancos têm dito que não veem sustos na qualidade de crédito de grandes empresas. O BB se preocupa?

Não tem nada grave. A fase ruim já foi, na época das grandes construtor­as, que fizeram com que os bancos recuassem. Nas demais, o banco fez um negócio bem amarrado: temos o fluxo de caixa, fazemos a folha de pagamento. A empresa não abre a porta se você não dá crédito, e nós tentamos, em seguida, trazê-la para o ecossistem­a. No agro é a mesma coisa, as commoditie­s estão lá em cima. Pressiona a inflação, mas o Brasil gera uma riqueza tremenda, nossa balança comercial está ótima. Isso é um bom sinal, e em algum momento vai servir para atenuar pressões. E por outro lado, capitaliza os agricultor­es.

E o banco pode vender mais produtos a eles?

O agricultor capitaliza­do amplia sua área de produção, investe em equipament­os e pode buscar alternativ­as de produção. Compra casa, carro. Quando começamos a gestão, mudamos alguns conceitos. Ao olhar o retorno ajustado pelo risco (RAR), no passado, deixávamos de fazer algumas operações. Algumas parecem trazer menos rentabilid­ade, mas o agricultor também compra máquina, revende, paga salário, compra casa, tem cartão... Quando você enxerga o RAR do cliente, começa a olhar isso sob outra perspectiv­a. Quando cheguei, estávamos em sétimo lugar no câmbio. A briga por taxa no câmbio é dura, e o cliente vai buscar a mais baixa. Se eu o deixo ser abordado por outro banco, abro uma janela arriscada. Um bom vendedor, do outro lado, começa a oferecer outras coisas. Tentamos fechar o cerco.

O volume é resultado de o banco abrir mão de margem para manter o cliente?

Abriu mão de um pedacinho da margem para ter todo o negócio. É uma visão ampliada. Talvez isso seja um segredo para termos conseguido fazer bons negócios.

Quem ataca no agro?

Hoje, são 22 instituiçõ­es. Na outra safra, o banco tinha R$ 205 bilhões de carteira – hoje, está com R$ 262 bilhões. Tínhamos o Banco do Brasil com uma larga vantagem, em segundo o Bradesco, em terceiro o Itaú, em quarto, o Santander, e aí vinham as cooperativ­as. Depois, a Caixa. Vejo com muito bons olhos a concorrênc­ia. O mercado agro não é fácil. Nosso histórico é muito antigo, nossas primeiras operações datam do primeiro ciclo do café. Em 1954, nasceu o primeiro manual de crédito agrícola, dentro do Banco do Brasil. Tivemos ciclos bons e ciclos ruins. Os agricultor­es já quebraram várias vezes, e o banco tem experiênci­a para ajudá-los. Temos uma esteira muito rápida. Chegamos a processar 7 mil transações em um dia. Fizemos 625 mil transações na última safra.

A discussão com o governo sobre dividendos se deu em quais termos?

Veio por um ofício para as estatais. Recebemos a carta e respondemo­s via carta. Nunca houve qualquer pressão por parte do governo para pagarmos mais dividendos. Existe total independên­cia. Não é um desejo só do governo: todos os acionistas querem mais dividendos. Seria maravilhos­o se eu pudesse distribuir 100%, mas, como guardião do banco, para mantermos a estratégia, preciso preservar esse capital.

Como viu a reação aos resultados?

Fiquei muito impression­ado. Colocamos o banco para focar naquilo em que sempre foi protagonis­ta. •

 ?? ADRIANO MACHADO/REUTERS-25/5/2022 ?? Fausto Ribeiro diz que o banco focou no que ‘sempre foi protagonis­ta’
ADRIANO MACHADO/REUTERS-25/5/2022 Fausto Ribeiro diz que o banco focou no que ‘sempre foi protagonis­ta’

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