Vem aí um ano de perigos, avisa o BC
Relatório trimestral de inflação alerta para o risco de desarranjo nas contas públicas, para a inflação persistente e para os perigos de um quadro internacional desfavorável
Baixo crescimento, inflação persistente e mais buracos nas contas públicas poderão marcar o primeiro ano do novo governo, segundo as perspectivas desenhadas pelo Banco Central (BC) em seu novo relatório trimestral de inflação. O alerta é muito claro e o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva agirá de forma prudente se levá-lo em conta. Este ano poderá terminar com um balanço pouco melhor que o estimado na avaliação anterior, mas o cenário de 2023 continua sombrio e preocupante. Segundo o relatório de setembro, o País encerraria 2022 com crescimento econômico de 2,7%. A nova estimativa aponta uma expansão de 2,9%, mas a atividade perde impulso. Em 2023 o Produto Interno Bruto (PIB) deverá aumentar apenas 1%, como estava previsto havia três meses. Mas a insegurança dessa previsão é maior que a usual, porque “as incertezas domésticas e no exterior permanecem elevadas”, segundo o documento.
O nível excepcional de incertezas tem sido apontado pelo Copom, o Comitê de Política Monetária do BC, como justificativa para a manutenção do crédito arrochado. Em novembro, o Copom sustentou em 13,75% a taxa básica de juros, sem dar indicação de quando poderá iniciar o afrouxamento. No mercado, as previsões de juros para o próximo ano têm sido revistas para cima e alguns analistas já consideram a hipótese de sustentação da taxa atual até dezembro de 2023.
A análise das condições e das perspectivas das contas públicas agora se concentra em 2023 e nos anos seguintes. Algumas medidas em discussão acarretam, segundo o relatório, incertezas importantes sobre despesas e receitas fiscais de 2023, “com impactos potencialmente duradouros ou permanentes”.
Do lado das despesas, o documento ressalta o possível pagamento do Auxílio Brasil fora do teto, com abertura de espaço para gastos equivalentes a 1% do PIB. Do outro lado, projetos de revisão da tabela do Imposto de Renda e dos limites do Simples podem resultar em “perda substancial de arrecadação”. Além disso, o crescimento recente da receita foi ocasionado pela alta de preços de commodities. Esses preços são voláteis e seus efeitos fiscais, portanto, são instáveis.
Não há referência direta ao atual governo ou ao próximo, mas a mensagem é clara, tanto na advertência quanto na cobrança de esclarecimentos do presidente eleito e do futuro ministro da Fazenda. O futuro ministro criticou o teto de gastos, prometeu propor uma nova âncora fiscal e chegou a acenar com a obtenção de superávits primários – receitas maiores que despesas sem contar os juros da dívida pública. Não indicou, no entanto, como serão administradas as contas públicas nem apontou características possíveis da nova âncora.
O presidente eleito e o companheiro indicado para a Fazenda asseguram que têm compromisso com a responsabilidade fiscal, mas Lula insiste em dizer que o controle das contas não pode prevalecer sobre os programas sociais (ver o editorial acima).
Ademais, desajustes podem ocorrer tanto pelo uso direto de verbas do Tesouro quanto pelos chamados estímulos parafiscais. Esses estímulos podem ser produzidos, por exemplo, por meio de instituições financeiras controladas pelo Estado, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Dificilmente – espera-se – o governo petista reeditará a desastrosa política dos campeões nacionais, uma farra de benefícios financeiros a quem menos necessitava. Mas o mercado já mostrou temor de novos desmandos.
Mesmo sem as dúvidas motivadas pelo currículo petista, incertezas marcariam os cenários esboçados no relatório do BC. A economia global perde impulso e o aperto financeiro deve continuar. O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) acaba de elevar de novo os juros básicos. O aumento foi de 0,50 ponto porcentual, depois de quatro altas de 0,75 ponto. Mas a inflação, apesar de algum recuo, continua perigosa e novos ajustes podem ser necessários, advertiu o presidente do Fed, Jerome Powell. O desarranjo internacional deveria bastar para o futuro governo brasileiro escolher o caminho da prudência.l