Como combater o desmatamento
Ninguém gosta dos radares espalhados pelas ruas e estradas, mas é inegável que eles inibem o excesso de velocidade e outras infrações de trânsito. Agora um sistema equivalente vai fazer o mesmo com o desmatamento. Entre 2019 e 2021, os diversos sistemas de monitoramento por satélites (entre eles o do Inpe e do Mapbiomas) produziram mais de 200 mil alertas de desmatamento, totalizando 4,3 milhões de hectares desmatados. Desses 98% são ilegais ou irregulares. Somente 7% foram investigados.
A solução é um sistema automático. A novidade é que desses já foi testado e pode ser implementado rapidamente a nível nacional. Os radares, com a possibilidade de identificar a placa do veículo infrator, e o sistema de pontos na carteira do motorista garantem que se você passar na frente de um radar em alta velocidade, uma multa chegará automaticamente na sua casa. E se você repetir a proeza pode perder a carta ou tornar seu carro invendável. Agora uma tecnologia semelhante vai infernizar a vida dos desmatadores ilegais. Basta os governos adotarem a cartilha que detalha um sistema que já vem sendo usado experimentalmente em alguns Estados, publicada pela ONG Mapbiomas. Aliás, faz tempo que defendo essa ideia (basta ver em Como multar quem desmata. https://www.estadao.com.br/ ciencia/fernando-reinach/multa-desmatamento-tra nsito-amazonia/). Mas agora ela virou realidade.
Funciona assim: satélites revisitam e fotografam semanalmente cada pedaço do território. As fotos de cada passagem sobre uma área são comparadas com as fotos tiradas no passado. Se um área de floresta nativa desapareceu entre uma data e outra, essa é uma área de possível desmatamento irregular. Hoje os satélites usados pelo Mapbiomas detectam áreas menores que um quarteirão, mas com os satélites mais modernos uma área de 10 metros quadrados poderia ser detectada.
O passo seguinte é identificar a área e seu dono ou responsável legal. Isso é feito usando coordenadas da área desmatada. Os satélites têm sistema de GPS capaz de dizer exatamente onde o desmatamento
Cartilha detalha um sistema que já vem sendo usado experimentalmente em alguns Estados
está ocorrendo. Esse sistema é o equivalente aos radares de estradas. Identificadas as coordenadas geográficas, um computador busca nos bancos de dados do CAR (cadastro ambiental rural) o dono ou responsável pela área. Lá está o CPF, o CNPJ e o endereço do responsável pela área. Essa parte é equivalente ao sistema do Detran.
De posse desses dados os Órgãos ambientais podem emitir e enviar automaticamente notificações de embargo no caso do desmatamento não ter sido autorizado e, portanto, depositado no banco de dados dos desmatamentos legais. Esse embargo pode ser contestado, mas na prática ele proíbe qualquer venda da área ou processo de legalização fundiária decorrente de grilagens. Além disso, impede que o dono da área tenha acesso a empréstimos ou financiamentos. É o equivalente ao bloqueio do licenciamento ou venda de carro com multas pendentes. O sistema também pode identificar os donos de áreas que ainda não possuem o CAR.
O guia publicado pelo Mapbiomas fornece uma espécie de passo a passo de como os orgãos de fiscalização podem usar essas ferramentas já disponíveis. E mostra como alguns Estados já estão usando experimentalmente, e com sucesso, essa metodologia (Mato Grosso, Pará, Goiás, Amazonas e Paraná).
O único problema dessa metodologia é que grande parte dos desmates detectados ocorre em terras da União ou em reservas administradas pelos governos. Nesses casos a União pode ignorar o embargo, não agir e não coibir o desmatamento em suas áreas. Mas nesse caso, como essas terras pertencem a toda a nação, e o governo tem o dever constitucional de protegêlas, a solução é processar o governo no Supremo Tribunal Federal (STF) com base nos embargos.
A publicação desse guia demonstra que o Brasil dispõe hoje de leis e um sistema tecnológico que pode diminuir rapidamente o desmate de nossas florestas. •
MAIS INFORMAÇÕES: GUIA DE BOAS PRÁTICAS PARA IMPLEMENTAÇÃO DO EMBARGO REMOTO DE ÁREAS DESMATADAS NO BRASIL HTTPS://MAPBIOMAS.ORG/EMBARGOS-REMOTO S-DE-AREAS-DESMATADAS-PODEM-ACELERARFISCALIZACAO-AMBIENTAL-NO-BRASIL É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR