Nem tudo é sorte
Aprendi esta semana algo que dez Copas do Mundo não haviam me ensinado: disputa de pênaltis não é uma loteria. O lugar-comum da crônica esportiva costuma comparar a cobrança de penalidades a um jogo de apostas, como se a sorte fosse o único elemento a definir os resultados. Mas não é assim.
Temos essa impressão porque no nível técnico em que os jogadores de Copa do Mundo se encontram a habilidade para chutar a gol é parecida entre todos, força e jeito praticamente não diferenciam um do outro. Tudo o mais sendo igual, portanto, nos parece restar apenas o acaso como artífice de diferença.
Até que descobri o psicólogo norueguês Geir Jordet, que estuda o tema. A fundo. Ele assistiu e analisou todas as decisões por pênaltis nas Copas do Mundo desde 1976. Como se não bastasse, avaliou também a Eurocopa e a Champions League. Publicou dezenas de pesquisas em periódicos científicos internacionais com seus resultados, comprovando que não é o acaso que faz diferença no resultado dos pênaltis, mas sim a preparação mental. Por mais que eu tente, não consigo evitar o trocadilho de dizer que ele marcou um golaço.
A habilidade física conta menos para a chance de marcar um gol do que o nervosismo do jogador, segundo seus dados. Quanto maior a pressão, e pior seu gerenciamento, maiores as possibilidades
A habilidade física conta menos para a chance de marcar um gol do que o nervosismo do atleta
de errar. Se o gol der a vitória para o time, há mais chances de sucesso do que quando o erro levar o time à derrota, situação em que o estresse é mais elevado.
Jogadores ansiosos reagem no modo fuga e luta, focando-se no problema e tentando se livrar dele rapidamente – o que os faz olhar mais tempo para o goleiro (e menos para onde querem chutar) e agir atabalhoadamente, mandando a bola mais perto do defensor, facilitando seu trabalho. Os goleiros percebem esse nervosismo, ainda que não de forma consciente, e em média esperam mais tempo para pular diante desses cobradores, arriscando um pouco mais para ver onde mandarão a bola. Batedores que respiram fundo e agem calmamente fazem mais gols.
E, ao contrário do que imaginamos, os dados mostram que a cobrança de pênaltis também é um esporte coletivo. Times unidos, que comemoram mais intensamente cada gol, saem vitoriosos 80% das vezes, cifra muito mais significativa do que a das equipes contidas.
A maioria de nós jamais estará numa situação dessas, é verdade. Mesmo assim, esses aprendizados são valiosos: focar na solução, não no problema, respirar fundo, evitar agir por impulso, valorizar o grupo – tudo isso pode ajudar muito em nossas decisões fora de campo. A vida, como os pênaltis, não é apenas uma loteria. •
É PROFESSOR COLABORADOR DO DEPARTAMENTO DE PSIQUIATRIA DA FACULDADE DE MEDICINA DA USP E AUTOR DO LIVRO ‘RIR É PRECISO’