O Estado de S. Paulo

Nem tudo é sorte

- Daniel Martins de Barros @danielmbar­ros

Aprendi esta semana algo que dez Copas do Mundo não haviam me ensinado: disputa de pênaltis não é uma loteria. O lugar-comum da crônica esportiva costuma comparar a cobrança de penalidade­s a um jogo de apostas, como se a sorte fosse o único elemento a definir os resultados. Mas não é assim.

Temos essa impressão porque no nível técnico em que os jogadores de Copa do Mundo se encontram a habilidade para chutar a gol é parecida entre todos, força e jeito praticamen­te não diferencia­m um do outro. Tudo o mais sendo igual, portanto, nos parece restar apenas o acaso como artífice de diferença.

Até que descobri o psicólogo norueguês Geir Jordet, que estuda o tema. A fundo. Ele assistiu e analisou todas as decisões por pênaltis nas Copas do Mundo desde 1976. Como se não bastasse, avaliou também a Eurocopa e a Champions League. Publicou dezenas de pesquisas em periódicos científico­s internacio­nais com seus resultados, comprovand­o que não é o acaso que faz diferença no resultado dos pênaltis, mas sim a preparação mental. Por mais que eu tente, não consigo evitar o trocadilho de dizer que ele marcou um golaço.

A habilidade física conta menos para a chance de marcar um gol do que o nervosismo do jogador, segundo seus dados. Quanto maior a pressão, e pior seu gerenciame­nto, maiores as possibilid­ades

A habilidade física conta menos para a chance de marcar um gol do que o nervosismo do atleta

de errar. Se o gol der a vitória para o time, há mais chances de sucesso do que quando o erro levar o time à derrota, situação em que o estresse é mais elevado.

Jogadores ansiosos reagem no modo fuga e luta, focando-se no problema e tentando se livrar dele rapidament­e – o que os faz olhar mais tempo para o goleiro (e menos para onde querem chutar) e agir atabalhoad­amente, mandando a bola mais perto do defensor, facilitand­o seu trabalho. Os goleiros percebem esse nervosismo, ainda que não de forma consciente, e em média esperam mais tempo para pular diante desses cobradores, arriscando um pouco mais para ver onde mandarão a bola. Batedores que respiram fundo e agem calmamente fazem mais gols.

E, ao contrário do que imaginamos, os dados mostram que a cobrança de pênaltis também é um esporte coletivo. Times unidos, que comemoram mais intensamen­te cada gol, saem vitoriosos 80% das vezes, cifra muito mais significat­iva do que a das equipes contidas.

A maioria de nós jamais estará numa situação dessas, é verdade. Mesmo assim, esses aprendizad­os são valiosos: focar na solução, não no problema, respirar fundo, evitar agir por impulso, valorizar o grupo – tudo isso pode ajudar muito em nossas decisões fora de campo. A vida, como os pênaltis, não é apenas uma loteria. •

É PROFESSOR COLABORADO­R DO DEPARTAMEN­TO DE PSIQUIATRI­A DA FACULDADE DE MEDICINA DA USP E AUTOR DO LIVRO ‘RIR É PRECISO’

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