Campanhas de ISTS deveriam focar no prazer, não no medo
Pesquisa feita pela Pleasure Project e pela OMS mostra que a mudança de discurso é mais eficaz
‘A educação sexual se concentra na redução de riscos, sem reconhecer como o sexo seguro pode promover intimidade, prazer e bem-estar”
Lianne Gonsalves
Epidemiologista
Os esforços para tornar o sexo mais seguro quase sempre se concentram nas coisas ruins: o que fazer para evitar uma infecção terrível ou um vírus potencialmente mortal. Eles raramente reconhecem as coisas boas: geralmente a razão pela qual as pessoas fazem sexo em primeiro lugar. E é por isso que as campanhas de sexo seguro em todo o mundo não são tão eficazes quanto poderiam ser.
A pesquisa mostra que quando as campanhas reconhecem o prazer – falando sobre sexo como algo que torna a vida boa ou mostrando como as camisinhas podem ser eróticas – mais pessoas usam preservativos. Isso é o que a Organização Mundial da Saúde e uma organização não governamental, a Pleasure Project, descobriram quando revisaram os resultados de testes e experimentos de sexo seguro nos últimos 15 anos. Eles avaliaram mais de 7 mil intervenções para tratar do prazer (e da falta dele). Os resultados revisados por pares foram publicados na revista PLOS One.
“A educação e os serviços de saúde sexual tradicionalmente se concentram na redução de riscos e na prevenção de doenças, sem reconhecer como o sexo seguro também pode promover intimidade, prazer, consentimento e bem-estar”, disse Lianne Gonsalves, epidemiologista coautora do estudo que pesquisa saúde sexual com a OMS. “Esta revisão fornece uma mensagem simples: os programas que refletem melhor as razões pelas quais as pessoas fazem sexo, inclusive por prazer, obtêm melhores resultados.”
PRESERVATIVOS.
As apostas são altas. As infecções sexualmente transmissíveis (ISTS) estão em níveis recordes nos Estados Unidos e vêm aumentando em todo o mundo. Globalmente, 1,5 milhão de pessoas foram diagnosticadas com HIV em 2021, taxa que quase não mudou nos últimos quatro anos. Tomar uma pílula diária conhecida como PREP, ou profilaxia pré-exposição, previne infecções, mas os preservativos continuam sendo a maneira simples e infalível de fazê-lo.
O Pleasure Project sustenta, há anos, que reconhecer o papel do prazer teria um grande impacto no uso do preservativo, reduzindo não apenas as ISTS mas também a gravidez indesejada. “Se você tivesse uma pílula ou vacina com esse tipo de efeito, todo mundo estaria falando disso”, advertiu Anne Philpott, especialista em saúde pública britânica que fundou a iniciativa em 2004. “Ignorar esse ponto cego, durante toda a pandemia de aids, levou a um menor uso de preservativos e a mortes que poderíamos ter evitado”, garantiu ela.
MENSAGEM.
Mas a mensagem de prazer, observou, é uma adição barata e fácil para os programas. É uma mudança na conversa, em vez de um novo medicamento ou dispositivo.
Há algum progresso. Em setembro, a Federação Internacional de Planejamento Familiar, a maior organização de saúde sexual e reprodutiva do mundo, endossou os chamados Princípios do Prazer, diretrizes para centralizar o prazer no sexo saudável. Foi a primeira ação de uma organização global de saúde sexual a adotar a palavra “prazer” explicitamente na prestação de seus serviços.
A melhor demonstração da mensagem de prazer que já vi vem de Arushi Singh, codiretora do Pleasure Project. Para transmitir o que significa erotizar o sexo seguro, ela tira uma bolsinha azul de sua bolsa. “Este é um brinquedo sexual ao qual fui apresentada por profissionais do sexo em uma conferência sobre aids em Bangcoc”, conta ela. “É pequeno, prático, você pode levar na bolsa, colocar sozinho”, explica. “Está bem lubrificado. Ele vem com dois anéis – um ancora contra o colo do útero. E esse anel externo é o segredo: quando um pênis ou vibrador entra em sua vagina, o anel externo pressiona o clitóris.” Ela dá uma pequena chacoalhada. “Isso é o que faz.”
INVERSÃO.
O brinquedo que Singh mostra é, na verdade, uma camisinha feminina. E é assim, diz ela, que você inverte a narrativa e conversa primeiro sobre como se divertir e depois sobre a prevenção de doenças.
Então, por que, dados os milhões de dólares gastos todos os anos para mudar a forma como as pessoas fazem sexo, o objetivo real do sexo é deixado de fora da agenda? Philpott tem uma teoria. “As pessoas que trabalham com saúde sexual geralmente têm formação biomédica e se concentram na morte, no perigo e na doença”, admitiu ela. “Eles não são encorajados a pensar em si mesmos como seres sexuais.”
O fato de a maioria dos programas de saúde sexual e reprodutiva ser entregue por grandes agências beneficentes não ajuda, acrescentou ela. “Há uma narrativa de desenvolvimento internacional que historicamente vem de um lugar muito negativo em relação ao sexo ou de uma perspectiva colonial cristã destinada a salvar os ‘pobres infelizes’.” •