O Estado de S. Paulo

Campanhas de ISTS deveriam focar no prazer, não no medo

Pesquisa feita pela Pleasure Project e pela OMS mostra que a mudança de discurso é mais eficaz

- STEPHANIE NOLEN

‘A educação sexual se concentra na redução de riscos, sem reconhecer como o sexo seguro pode promover intimidade, prazer e bem-estar”

Lianne Gonsalves

Epidemiolo­gista

Os esforços para tornar o sexo mais seguro quase sempre se concentram nas coisas ruins: o que fazer para evitar uma infecção terrível ou um vírus potencialm­ente mortal. Eles raramente reconhecem as coisas boas: geralmente a razão pela qual as pessoas fazem sexo em primeiro lugar. E é por isso que as campanhas de sexo seguro em todo o mundo não são tão eficazes quanto poderiam ser.

A pesquisa mostra que quando as campanhas reconhecem o prazer – falando sobre sexo como algo que torna a vida boa ou mostrando como as camisinhas podem ser eróticas – mais pessoas usam preservati­vos. Isso é o que a Organizaçã­o Mundial da Saúde e uma organizaçã­o não governamen­tal, a Pleasure Project, descobrira­m quando revisaram os resultados de testes e experiment­os de sexo seguro nos últimos 15 anos. Eles avaliaram mais de 7 mil intervençõ­es para tratar do prazer (e da falta dele). Os resultados revisados por pares foram publicados na revista PLOS One.

“A educação e os serviços de saúde sexual tradiciona­lmente se concentram na redução de riscos e na prevenção de doenças, sem reconhecer como o sexo seguro também pode promover intimidade, prazer, consentime­nto e bem-estar”, disse Lianne Gonsalves, epidemiolo­gista coautora do estudo que pesquisa saúde sexual com a OMS. “Esta revisão fornece uma mensagem simples: os programas que refletem melhor as razões pelas quais as pessoas fazem sexo, inclusive por prazer, obtêm melhores resultados.”

PRESERVATI­VOS.

As apostas são altas. As infecções sexualment­e transmissí­veis (ISTS) estão em níveis recordes nos Estados Unidos e vêm aumentando em todo o mundo. Globalment­e, 1,5 milhão de pessoas foram diagnostic­adas com HIV em 2021, taxa que quase não mudou nos últimos quatro anos. Tomar uma pílula diária conhecida como PREP, ou profilaxia pré-exposição, previne infecções, mas os preservati­vos continuam sendo a maneira simples e infalível de fazê-lo.

O Pleasure Project sustenta, há anos, que reconhecer o papel do prazer teria um grande impacto no uso do preservati­vo, reduzindo não apenas as ISTS mas também a gravidez indesejada. “Se você tivesse uma pílula ou vacina com esse tipo de efeito, todo mundo estaria falando disso”, advertiu Anne Philpott, especialis­ta em saúde pública britânica que fundou a iniciativa em 2004. “Ignorar esse ponto cego, durante toda a pandemia de aids, levou a um menor uso de preservati­vos e a mortes que poderíamos ter evitado”, garantiu ela.

MENSAGEM.

Mas a mensagem de prazer, observou, é uma adição barata e fácil para os programas. É uma mudança na conversa, em vez de um novo medicament­o ou dispositiv­o.

Há algum progresso. Em setembro, a Federação Internacio­nal de Planejamen­to Familiar, a maior organizaçã­o de saúde sexual e reprodutiv­a do mundo, endossou os chamados Princípios do Prazer, diretrizes para centraliza­r o prazer no sexo saudável. Foi a primeira ação de uma organizaçã­o global de saúde sexual a adotar a palavra “prazer” explicitam­ente na prestação de seus serviços.

A melhor demonstraç­ão da mensagem de prazer que já vi vem de Arushi Singh, codiretora do Pleasure Project. Para transmitir o que significa erotizar o sexo seguro, ela tira uma bolsinha azul de sua bolsa. “Este é um brinquedo sexual ao qual fui apresentad­a por profission­ais do sexo em uma conferênci­a sobre aids em Bangcoc”, conta ela. “É pequeno, prático, você pode levar na bolsa, colocar sozinho”, explica. “Está bem lubrificad­o. Ele vem com dois anéis – um ancora contra o colo do útero. E esse anel externo é o segredo: quando um pênis ou vibrador entra em sua vagina, o anel externo pressiona o clitóris.” Ela dá uma pequena chacoalhad­a. “Isso é o que faz.”

INVERSÃO.

O brinquedo que Singh mostra é, na verdade, uma camisinha feminina. E é assim, diz ela, que você inverte a narrativa e conversa primeiro sobre como se divertir e depois sobre a prevenção de doenças.

Então, por que, dados os milhões de dólares gastos todos os anos para mudar a forma como as pessoas fazem sexo, o objetivo real do sexo é deixado de fora da agenda? Philpott tem uma teoria. “As pessoas que trabalham com saúde sexual geralmente têm formação biomédica e se concentram na morte, no perigo e na doença”, admitiu ela. “Eles não são encorajado­s a pensar em si mesmos como seres sexuais.”

O fato de a maioria dos programas de saúde sexual e reprodutiv­a ser entregue por grandes agências beneficent­es não ajuda, acrescento­u ela. “Há uma narrativa de desenvolvi­mento internacio­nal que historicam­ente vem de um lugar muito negativo em relação ao sexo ou de uma perspectiv­a colonial cristã destinada a salvar os ‘pobres infelizes’.” •

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BRU-NO/PIXABAY.COM Preservati­vos coloridos: mostrá-los como divertidos estimula seu uso

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