Controle de quê?
“Você quer tomar algo antes e entrar na sala de cirurgia dormindo ou quer entrar acordada mesmo?” Abrir mão do controle antes ou depois? Essa era a real pergunta do anestesista que gentilmente me oferecia opções. Mas qual controle eu tinha? Três semanas antes, em pleno “comando”, cumpri a agenda de exames de rotina marcados para confirmar que tudo estava ótimo e descobrir a cada novo pedido médico que não estava.
Decidida a não dar espaço para mudanças de rota na vida que construí, segui dia a dia planejando milimetricamente meu tempo. Acordei mais cedo, encontrei tempo para fazer exercícios, cuidar dos cabelos, fui ao dentista que vinha adiando. Também andei mais a pé, marquei mais reuniões e prestei muito mais atenção ao que e como falava com cada pessoa que cruzava meu caminho.
Cortei algumas relações e reativei outras. Estive atenta. Abri mais vezes a janela do carro que me blindava e assim senti os cheiros das ruas e fiz os caminhos mais bonitos que encontrei para chegar às reuniões. Comprei presentes para as minhas irmãs, me arrumei mais para o Dia das Mães e abracei e beijei o quanto pude meu irmão mais velho que não via havia mais de um ano.
A data da cirurgia marcada tinha transformado meu olhar, minhas prioridades, mas agora, no quarto do hospital, com o corpo nu e coberto pelo levíssimo tecido da camisola da operação, tinha de finalmente me entregar, entrar na sala e deixar que entrassem no meu corpo.
Resolvi ir acordada, “controlando” meu futuro até onde podia, olhei por cima da maca examinando cada canto da sala cheia de luzes frias que ajudariam a me ver por dentro.
E o que achariam? Algum órgão doente pelo fruto de mágoas que sem ter consciência infligi ao meu próprio corpo? Sentia-me naquele momento, sem dúvida, a culpada. Fui invadida pela consciência de ser totalmente responsável pelo corpo que fiz de refém. Na tríade corpo, mente e alma, a mente comanda os dois – ou, no mínimo, pode atrapalhar bastante. A mente inquieta, digitalizada e surda aos chamados do corpo e da alma. Assim, em estado de alerta, apaguei. •