Como decifrar o terroir argentino
Aargentina Zuccardi Valle de Uco é hors concours entre as melhores vinícolas para se visitar no mundo. Batizada de Piedra Infinita e inaugurada em 2016 em Mendoza, a vinícola venceu três vezes a competição World’s Best Vineyards, o que a colocou como número um em enoturismo. Chegou lá por conseguir equacionar as boas experiências para o turista (a vista para a Cordilheira dos Andes do seu restaurante é de tirar o fôlego) com a qualidade dos vinhos elaborados em seus tanques de concreto – ao contrário da maioria dos brancos e tintos, que fermentam em tanques de inox, seus vinhos só fermentam em recipientes de concreto.
Mas o maior atrativo da vinícola é quase invisível ao viajante, que só consegue captar uma parte desse encanto ao provar os seus vinhos. Para os turistas, as pedras quase onipresentes na paisagem podem ser apenas peças de decoração, mas, na verdade, elas são a ponta de um profundo estudo do terroir, que hoje reflete em seus vinhos, importados pela Grand Cru. Nos movimentos tectônicos de formação da Cordilheira dos Andes, cerca de 10 milhões de anos atrás, e depois, nos degelos e na força dos rios que descem a cordilheira, o solo foi se formando em diferentes camadas, de perfis muito diferentes entre si.
O formato e o tamanho das pedras encontradas no solo e no subsolo dão uma pista dessa diversidade, como aponta Martin Di Stefano, viticultor da companhia. É um trabalho árduo de entender melhor o chamado terroir e de elaborar vinhos respeitando essas características. Esses estudos não são uma exclusividade dos Zuccardis, mas a vinícola, atualmente, está entre as que melhor exemplificam essa tendência na Argentina.
Di Stefano mostra que, no Vale de Uco, as raízes das videiras podem encontrar um terreno mais calcário, mais vulcânico e até com restos de conchas marinhas. A diferença com os demais lugares em que os vinhedos são plantados mundo afora é que nos pés da Cordilheira esses solos diversos entre si estão lado a lado, resultado da formação dos Andes.
As calicatas, como são chamados os buracos feitos no vinhedo para entender o subsolo, tornam visível essa diferença. Em frente à vinícola há dois desses buracos, em uma distância de não mais do que 5 metros entre eles. Em um deles, as pedras brancas, grandes, parecem ocupar todo o subsolo, no outro o solo é bem mais decomposto, com pedras pequenas. O comum é que o subsolo mantenha a mesma característica em áreas bem maiores. A margem esquerda de Bordeaux, por exemplo, é marcada pelos solos com cascalhos; enquanto a Sicília tem solos vulcânicos. •
Nos pés da Cordilheira, solos diversos podem ajudar a entender melhor o vinho