Projetos de requalificação de imóveis tentam impulsionar o centro de SP
Enquanto a valorização média de imóveis na capital paulista foi de 21,5% entre 2020 e 2024, nos bairros mais centrais índice ficou em 12,6%, revela pesquisa do DataZap
“Do ponto de vista econômico, muitas vezes é mais viável fazer a conversão (dos prédios antigos)”
Guil Blanche Presidente e fundador da Planta.Inc
Projetos
Segundo a Prefeitura de São Paulo, pelo menos 30 projetos de retrofit já foram apresentados
Morar na região central da capital paulista pode ser um sonho para quem deseja ter fácil acesso ao transporte público, bem como ao deslocamento rápido para os principais bairros. No entanto, a falta de prédios novos e a escassez de terrenos para construção leva o setor imobiliário e o poder público a apostarem na requalificação de prédios corporativos antigos, um processo conhecido como “retrofit”.
A cidade tem projetos, com isenções fiscais, para atrair o setor imobiliário para a região, em uma aposta para trazer moradores para a região central, especialmente na Vila Buarque, no triângulo formado pelas estações de metrô Santa Cecília e República e pelo Sesc Consolação.
Guil Blanche, presidente e fundador da Planta.Inc, cuja atuação está concentrada na Vila Buarque, diz que a empresa tem oito projetos na capital paulista, dos quais quatro já foram entregues, como é o caso do Edifício Renata Sampaio Ferreira. Os 13 pavimentos foram adaptados para receber 93 apartamentos, oferecidos para locação, com preço na faixa dos R$ 9 mil mensais.
“Há uma massa de prédios no centro expandido da cidade construídos entre os anos 50 e 70, que estão desatualizados ao uso. Não se adaptam mais ao modelo contemporâneo de trabalho. Muitos deles estão vazios”, afirma o executivo.
Blanche afirma que a requalificação é uma solução que pode ser mais viável comercialmente do que a demolição para construção de prédios modernos. “Do ponto de vista econômico, muitas vezes é mais viável fazer a conversão. Ao demolir, não seria possível atingir o mesmo potencial construtivo do passado. Não tem só a questão da altura, mas também o recuo. Do ponto de vista ambiental, o retrofit emite 70% a menos de gás carbônico.”
PROPOSTA. A ideia por trás da iniciativa de alugar em vez de vender é atrair turistas que queiram ter uma experiência de vida na cidade e pessoas que precisam morar na capital por até 90 dias.
“Alugamos por temporada. São 30 dias ou mais, em geral. Em períodos específicos, como o carnaval, liberamos uma locação de menor prazo. A ideia é começar a trazer vida para o centro. Quanto mais gente morando no local, mais segurança teremos”, diz Leonardo Morgatto, presidente da Tabas, empresa que aluga os apartamentos de edifícios que passaram por retrofit.
“A Vila Buarque foi a região que começou a ter mais segurança no centro. Agora, precisamos levar esse mesmo nível de desenvolvimento para o restante da região.”
De acordo com a Prefeitura de São Paulo, pelo menos 30 projetos de retrofit foram apresentados e 14 já foram aprovados com incentivos, como isenção de taxas municipais e redução do ISS nos custos de engenharia. Seis propostas estão em análise na primeira fase do programa Requalifica Centro, que concederá até 25% do valor das obras de requalificação de prédios na região.
No decreto assinado em outubro do ano passado pelo prefeito Ricardo Nunes, a Prefeitura concede subvenção de R$ 1 bilhão para o programa. O objetivo é atrair empreendedores do setor imobiliário para investir no Centro.
O secretário da Casa Civil da Prefeitura de São Paulo, Fabrício Cobra, diz que a cidade tem ampliado os esforços para aumentar a segurança pública na região central, tanto com o aumento do efetivo da Guarda Civil Metropolitana quanto com câmeras de monitoramento. Cobra diz ainda que os esforços das últimas gestões públicas reduziram de 4 mil para 1 mil o número de usuários de drogas na Cracolândia.
TRANSPORTE. Um dos principais argumentos dos empresários que defendem o modelo de retrofit e construção de prédios no centro da capital paulista é a facilidade de acesso ao transporte público. A região tem diversas estações de metrô e linhas de ônibus. No entanto, isso ainda não foi o suficiente para atrair moradores.
Dados de janeiro de 2020 a janeiro de 2024 do DataZap mostram que o preço médio do metro quadrado de imóveis residenciais em São Paulo subiu 18%, enquanto em bairros do centro índice ficou em 9,89%.
O economista do DataZAP, Pedro Tenório, diz que a análise da região mostra que o centro não tem um conjunto homogêneo de bairros. Por isso, tanto em locação quanto em venda, há diferença de 50% ou mais entre os bairros mais baratos e os mais caros no centro. “Em venda, chama atenção como o bairro do Brás foi o único com crescimento de preço acima da média paulistana entre janeiro de 2019 e janeiro de 2024, registrando 26,7% de aumento ante a média de 21,5% de São Paulo.”
‘GOTA NO OCEANO’. Na visão de especialistas do setor imobiliário, uma retomada do centro como região viável para moradia ainda está distante. “Os restaurantes estão voltando, tem prédios sendo construídos, mas tudo isso ainda é uma gota no oceano”, diz o coordenador do curso de negócios imobiliários da FGV, Alberto Ajzental. Segundo ele, se houvesse segurança, não haveria problema. “Mas isso ainda não foi resolvido.”
O professor é cético em relação ao discurso da oferta de transporte no centro ser um grande diferencial. “O centro tem mais infraestrutura do que a periferia, mas não tem mais do que os bons bairros. As boas lojas, bons shoppings e boas escolas já foram embora dali. O centro chegou a um ponto de deterioração para moradia. A retomada de uma zona mista, com moradias e empresas, é mais custosa e penosa.”
PROJETOS. Outros prédios estão sendo reformados e convertidos em moradias na região central da capital, como é o caso do Basílio 177, antigo prédio da Telesp, e do Virgínia (Edifício Virgínia, lançado em 1949). No Basílio 177, 274 há apartamentos a partir de 35 m², e preços começando em R$ 1,3 milhão.
No edifício Virgínia, os quatro apartamentos por andar, com metragens de 160 m² e 180 m², irão se transformar em 121 apartamentos, com tamanhos de 26 m² a 182 m² e valor médio de R$ 13 mil por m².
Para Audrey Ponzoni, diretor de inteligência comercial da Lello, responsável pelo condomínio do Basílio 177, a segurança do empreendimento é uma preocupação que foi levada em conta. “Usamos análise de dados de vídeos, que vão ficar mais baratos ao longo do tempo. Essa tecnologia pode gerar alertas de segurança. Também melhoramos a clausura (área fechada).”
Para os empresários do mercado imobiliário especializados em projetos voltados para o público de baixa renda, o centro da capital paulista oferece oportunidades, mas os desafios ligados à segurança pública e aos prédios deteriorados e invadidos ainda são entraves.
O presidente da construtora Cury, Fabio Cury, diz que a insegurança ainda afeta o desempenho de vendas, mesmo do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida. “O centro hoje é um grande problema. É um dos nossos piores locais em vendas”, diz. •