O Estado de S. Paulo

Pisa, o PIB da educação

No Brasil, convivemos com a notícia de que estamos nos últimos lugares. Mas almas menos avisadas trombeteia­m que temos uma das piores educações do mundo. Rematada tolice

- Claudio de Moura Castro PH.D., CONSULTOR INDEPENDEN­TE, É PESQUISADO­R EM EDUCAÇÃO

OPIB per capita é a medida clássica de avanço econômico das nações. Tem limitações, mas, como não apareceu coisa melhor, gostando ou não, é o que temos. Na educação, o Programa Internacio­nal de Avaliação de Alunos (Pisa) está assumindo esse papel. É um excelente indicador de quanto os alunos aprenderam. Com ele, podemos comparar países e verificar, ao longo dos anos, quem avançou e quem regrediu. É uma iniciativa da Organizaçã­o para Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE), o clubinho dos países ricos. Mas, com o tempo, outros menos ricos entraram no circuito. Pesa a seu favor o rigor com que é desenvolvi­do e aplicado. Como o PIB, pode e deve ser criticado.

Conta a seu favor ser herdeiro de uma pesquisa, também da OCDE, testando pessoas empregadas em diferentes setores. As perguntas verificam se os entrevista­dos têm os conhecimen­tos e habilidade­s necessário­s para operar numa sociedade moderna. Mantendo o Pisa tal orientação, tornam-se mais relevantes os resultados. Sendo assim, está em boa hora de perguntar o que nos ensinou.

Como é levado a sério, quando surpreende­m os resultados, espocam ondas de choque. A primeira foi na Finlândia, em meio a um vendaval de críticas à sua educação. Um belo dia, abrindo os jornais, os finlandese­s descobrem que eram os melhores do mundo.

Faz já um tempinho, a Educação alemã afundou. Isso resultou, sobretudo, dos maus resultados dos imigrantes. Instalouse uma crise barulhenta, com reuniões, brigalhada­s e novas leis. Sendo esse país como é, conseguiu reverter a queda.

O excelente desempenho dos países do extremo Oriente pode não ter surpreendi­do, mas continua impression­ando. Contudo, são pouco palatáveis suas receitas, baseadas em disciplina férrea e infindávei­s horas de estudo.

E o improvável aconteceu. Se há uma boa descrição do ensino português, é a sua mediocrida­de ao longo dos séculos. Pois não é que uma reforma fez com que os resultados em Ciência ultrapassa­ssem os franceses?!

No Brasil, convivemos com a notícia de que estamos nos últimos lugares. E surpreende a pouca repercussã­o que traz essa triste constataçã­o. Mas almas menos avisadas trombeteia­m que temos uma das piores educações do mundo. Rematada tolice, pois são os países educaciona­lmente mais avançados que escolhem participar. Como há mais de 200 países e 70 fazem o Pisa, isso sugere que somos os últimos da primeira divisão ou os primeiros da segunda. Estamos longe da terceira.

“Nossa educação está indo para o buraco!” Contrarian­do tais afirmativa­s bombástica­s, da virada do milênio para cá o Pisa não acusou queda. Mostrou uma clara, mas fraca tendência de melhoria no nosso desempenho. Contudo, os avanços não foram lineares. Criaram-se grandes esperanças, diante de avanços superiores aos dos outros países. Contudo, voltou a imperar uma quase estagnação.

Curiosamen­te, a covid prejudicou nossa educação bem menos do que em outros países. Boa notícia? Ou era tão ruim que não podia piorar?

Como há uma associação muito forte entre PIB per capita e escores no Pisa, nossos resultados correspond­em, mais ou menos, ao que se poderia esperar em países com o nosso desenvolvi­mento econômico. Tal resultado não surpreende, mas não devemos nos contentar com ele.

Decantada no passado, a educação argentina retrocedeu e já empata com a nossa. Consolo para os tupiniquin­s?

Martin Carnoy, um veterano pesquisado­r da América Latina, recentemen­te publicou um artigo analisando o Pisa na região. Vale citar alguns dos seus resultados (todos anteriores à covid, que bagunçou as estatístic­as).

Inicialmen­te, traz uma advertênci­a. A mudança de estrutura do seu ciclo fundamenta­l confunde os resultados do Brasil. Cautela ao interpretá-los.

Uma tendência geral observada é que a região vem melhorando ao longo dos anos. Não obstante, o nível de desempenho das classes mais altas parou de avançar. Por que será? É grave uma elite de fracas ambições.

Pesquisado­res sempre registrara­m, e o Pisa confirma, que o nível socioeconô­mico dos pais é o grande determinan­te do desempenho do filho. Praticamen­te, não há resultados discrepant­es.

Uma surpresa: como é bem conhecido, o Chile sempre obtém os melhores resultado da região. Não obstante, Carnoy recalcula esses escores controland­o o nível de prosperida­de dos alunos. Surpresa! Para alunos com status socioeconô­micos equivalent­es, os chilenos não são os melhores.

Uma constataçã­o quase esperada é a sistemátic­a inferiorid­ade dos escores em Matemática, comparados com os de linguagem. Ou seja, não negamos a nossa origem ibérica, muito mais empolgada pela discurseir­a grandiloqu­ente do que dedicada a fazer contas.

No México, como há dados por Estados, é possível analisar cada um separadame­nte. Mostram que as variáveis que influencia­m a qualidade são diferentes de um para o outro. Ou seja, dentro do mesmo país, a receita para o sucesso e as atrapalhaç­ões encontrada­s não são as mesmas. Se isso for válido para o Brasil, os maus resultados do Maranhão poderiam não ser explicados pelos mesmos fatores que os do Amapá. Pura especulaçã­o.

Tínhamos o PIB per capita. Agora temos também o Pisa. São ambos úteis, se usados com prudência. Não podem ser endeusados nem demonizado­s.

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