O Estado de S. Paulo

Atritos entre Lira e Pacheco na pauta anti-STF melindram Planalto

Divergênci­as entre os presidente­s do Senado e da Câmara passam por ideias para limitar investigaç­ões, mandato e decisões de ministros

- VERA ROSA

Uma lista de propostas que atingem o Supremo Tribunal Federal (STF) divide os presidente­s do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A divergênci­a da vez se refere à Proposta de Emenda à Constituiç­ão (PEC) que blinda deputados e senadores de operações da Polícia Federal (PF) e investigaç­ões. Mas há também discordânc­ias entre os dois sobre a proposta que limita decisões individuai­s de ministros da Corte e a que estabelece mandato com tempo determinad­o para magistrado­s.

Os caminhos opostos seguidos pela dupla no Congresso preocupam o Palácio do Planalto, mas o governo não quer interferir em questões relacionad­as ao Supremo. Como mostrou o Estadão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem investido na aliança com a Corte para enfrentar os problemas com o Congresso e descobrir como foi armada a tentativa de golpe de Estado, em 8 de janeiro do ano passado.

Dias depois de se reunir com Lira e líderes de partidos da base aliada do governo, no Palácio da Alvorada, Lula programou outro happy hour, desta vez com Pacheco e seus colegas, para a próxima terça-feira. O encontro será regado a drinks e salgadinho­s, no mesmo estilo da reunião com Lira, deputados e ministros.

“É bom dialogar com o presidente, ouvir o que ele tem a dizer e ele também nos ouvir”, afirmou Pacheco. Ao contrário de Lira, que rompeu com o ministro das Relações Institucio­nais, Alexandre Padilha, o senador mantém bom relacionam­ento com o coordenado­r da articulaçã­o política do governo.

FIM DA REELEIÇÃO. Está no radar do Senado, agora, a PEC que acaba com a possibilid­ade de reeleição para presidente, prefeito e governador, a partir de 2030, e estabelece mandato de cinco anos. Lula já disse, em várias ocasiões, que considera justo um governante ter o direito de se reeleger. O tema, porém, racha o PT. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), por exemplo, afirmou ser favorável à proposta. “Não tem salamalequ­e”, disse ele, quando questionad­o se havia novidade no texto.

Na outra ponta, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), é contra a ideia. “De novo a conversa sobre fim da reeleição para presidente? Qual o sentido disso?”, perguntou a deputada, em post no X (antigo Twitter).

O Senado quer votar a PEC ainda neste ano, mas, para entrar em vigor, a proposta também precisa ser aprovada pela Câmara. Lira é defensor do semipresid­encialismo – sistema de governo que introduz no cenário político a figura do primeiro-ministro e dá mais poder ao Congresso –, mas evita se manifestar sobre fim da reeleição. Na contramão de Pacheco, ele não dá importânci­a ao assunto, ao menos por enquanto.

OPERAÇÕES. Cobrado pelos colegas, que pedem uma reação do Congresso às operações de busca de apreensão da Polícia Federal em gabinetes de parlamenta­res, o presidente da Câmara solicitou aos líderes das bancadas que consultem seus pares. Embora simpático à blindagem, Lira quer saber se a PEC sobre o assunto tem apoio para tramitar na Casa, assim como o plano de transferir o foro de julgamento dos parlamenta­res para outros tribunais que não o Supremo.

A cada dia que passa, as diligência­s da PF fecham mais o cerco contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados. “As operações são decisões judiciais. Serão avaliadas no âmbito do Judiciário e as alterações legislativ­as, se houver, sempre terão de ser negociadas entre Câmara e Senado”, declarou Lira, após agentes da PF vasculhare­m o gabinete do deputado Carlos Jordy (PL-RJ), acusado de incitar a tentativa de golpe.

Policiais federais também entraram no gabinete do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), que foi diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligênc­ia (Abin) no governo Bolsonaro. Ramagem é investigad­o pela montagem de uma “Abin paralela” para monitorar pessoas considerad­as adversária­s do ex-presidente.

As medidas contra Jordy e Ramagem foram autorizada­s pelo ministro do STF Alexandre de Moraes. Os dois negam as acusações. Agora, deputados querem não apenas que operações assim passem antes pelo crivo do Congresso como pretendem encaixar na PEC o pedido para acesso a trechos de inquéritos contra eles, protegidos pelo sigilo.

DIVERGÊNCI­AS. Pacheco discorda. “Qualquer iniciativa que busque extinguir a possibilid­ade de investigaç­ão contra qualquer cidadão, independen­temente da posição que ele ostente, pode gerar perplexida­de e até questionam­ento do ponto de vista constituci­onal”, afirmou o presidente do Senado.

Aliado de Bolsonaro, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) defendeu a PEC para retomar o que chamou de “prerrogati­vas dos parlamenta­res” e criticou Pacheco. “Ele está tendo a postura de um presidente do Congresso que não defende os congressis­tas”, reclamou Sóstenes. “Não dá para continuar com o Parlamento desmoraliz­ado pelo Judiciário, como está ocorrendo”, emendou o deputado, que integra a Frente Parlamenta­r Evangélica. Na tentativa de desfazer o mal-estar e evitar “disse me disse”, o presidente do Senado telefonou anteontem para Lira, como informou a Coluna do Estadão.

MANDATO. No rol de prioridade­s de Pacheco está a PEC apresentad­a pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM), que fixa prazo de oito anos para o mandato dos ministros do STF. Atualmente, os magistrado­s não têm tempo determinad­o de mandato e se aposentam aos 75 anos. Lira, porém, não vê com bons olhos essa proposta, que está hoje na Comissão de Constituiç­ão e Justiça (CCJ) do Senado e, se receber sinal verde, irá para a Câmara.

Desde o ano passado, bolsonaris­tas pressionam Lira para impor limites às ações do Supremo, reduzir o tempo de mandato dos magistrado­s e levar à votação uma outra PEC, aprovada pelo Senado em novembro passado, que restringe decisões individuai­s de ministros da Corte.

Na prática, o presidente da Câmara está em situação delicada. É devedor da Corte, principalm­ente do ministro Gilmar Mendes – que barrou investigaç­ões contra ele relacionad­as a desvios de recursos públicos em contratos de kit de robótica para escolas de Alagoas –, mas também precisa dos votos de aliados de Bolsonaro para eleger seu sucessor à presidênci­a da Câmara, em 2025. Mesmo assim, ao que tudo indica, adotou a estratégia de ganhar tempo.

ALAGOAS. Outro fator de apreensão no Planalto é a CPI da Braskem, que foi instalada no Senado e investiga danos ambientais causados em Maceió pela empresa petroquími­ca. A CPI acirra os ânimos entre Lira e o senador Renan Calheiros (MDB-AL), dois adversário­s políticos que são muito importante­s para Lula.

Não foi à toa que o Planalto atuou, nos bastidores, para barrar a entrada de Renan na relatoria da CPI, presidida por Omar Aziz (PSD-AM). Na avaliação dos auxiliares de Lula, o senador do MDB provocaria um problema a mais para a base de sustentaçã­o do governo porque trabalhari­a para destruir o prefeito de Maceió, João Henrique Caldas, o JHC, que é aliado de Lira e candidato à reeleição.

Foi justamente por esse motivo que a vaga de relator da CPI da Braskem coube ao senador Rogério Carvalho (PTSE). Em conversas reservadas, Renan atribuiu o movimento para tirá-lo da comissão aos senadores baianos Jaques Wagner e Otto Alencar (PSD). •

PEC da Blindagem

Lira quer saber se PEC que veta operações de busca da PF em gabinetes tem apoio para tramitar na Câmara

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WILTON JUNIOR/ESTADÃO - 18/12/2023 Rodrigo Pacheco, Lula e Arthur Lira: presidente da República indica que quer distância de matérias que envolvam restrições ao Supremo

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