O Estado de S. Paulo

Entre o céu e o inferno

- E-mail: eliane.cantanhede@estadao.com; Twitter: @ecantanhed­e

Enquanto as expectativ­as em Brasília estavam voltadas para o depoimento do dia seguinte do ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, à Polícia Federal, o Superior Tribunal Militar (STM) dava um exemplo lamentável e cruel de corporativ­ismo no julgamento de oito militares que fuzilaram covardemen­te o músico Evaldo Rosa e o catador de latinhas Luciano Macedo, no Rio, em 2019.

Freire Gomes, que depôs durante oito horas sobre a armação de golpe no governo Jair Bolsonaro, está no limbo, pode ir para o céu ou para o inferno. Para a atual cúpula militar, que é legalista, ele vai para o céu, por resistir às pressões de Bolsonaro e se negar a jogar as tropas numa aventura golpista, diferentem­ente do então comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, que já sofreu busca e apreensão da PF e corre risco maior de ir para o inferno.

Sem querer, generais, coronéis e capitães do círculo íntimo de Bolsonaro servem como prova a favor de Freire Gomes. Em trocas de mensagens recolhidas pela PF, o ex-capitão Ailton Barros reclama que o então comandante impedia o golpe, e o general Braga Netto concorda: “Omissão e indecisão não cabem a um combatente”. Barros sugere: “Então, vamos continuar na pressão (...), vamos oferecer a cabeça deles aos leões”. E Braga Netto conclui: “Oferece a cabeça dele. Cagão”.

E a PF, que destino quer dar a Freire Gomes, o céu ou o inferno? A favor do céu, além de mensagens e ataques bolsonaris­tas desse tipo, há também a versão de uma reação contundent­e dele contra Bolsonaro e o golpe, numa reunião com militares. Já a favor do inferno, há o fato de que Freire Gomes permitiu e manteve o acampament­o golpista em torno do Quartel General do Exército, mais uma mensagem que ele recebeu do então ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, sobre mudanças no decreto golpista e, também, o silêncio sobre o esquema de golpe. Prevaricaç­ão?

As Forças Armadas precisam ser e mostrar que são mais legalistas do que corporativ­istas. Logo, o julgamento no STM sobre o assassinat­o do músico e do catador é um escândalo. O relator, brigadeiro Carlos Augusto Amaral, trocou de crime doloso para culposo e reduziu as penas dos oito militares, de 28 e 31 anos para três! Alegou “legítima defesa” e que não havia intenção de matar. Com 257 tiros? As duas vítimas desarmadas? Mas o ministro revisor, José Coelho Ferreira, acompanhou o relator.

O julgamento foi suspenso, mas nada poderia ser pior para o STM e o momento já tão difícil para a imagem das Forças Armadas. Nessas horas, aumentam a dúvida sobre uma justiça exclusiva para militares e uma certeza: ah!, se não fosse o Xandão?l

Freire Gomes é decisivo para juntar as pontas do golpe e essa não é uma questão corporativ­a

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