O Estado de S. Paulo

Condenação antecipada

- J. R. Guzzo JORNALISTA

Se o Supremo Tribunal Federal fosse uma Corte de Justiça de verdade e se os seus integrante­s tivessem de respeitar as leis que são pagos para aplicar, o ministro Gilmar Mendes não poderia nunca julgar o ex-presidente Jair Bolsonaro nos processos penais que correm contra ele. Mais que isso: teria de responder à violação da Lei Orgânica da Magistratu­ra, o livro de regras dos juízes brasileiro­s, e se ver submetido a um processo de impeachmen­t no Senado Federal. O ministro, como outros colegas seus, tem um longo histórico de entreveros com a legalidade, mas desta vez parece ter cruzado a linha “vermelha” – declarou em público que o réu que ele mesmo vai julgar mais adiante é provavelme­nte culpado, desde já, do delito pelo qual está sendo acusado.

Pode isso? É óbvio que não pode – não num Sistema de Justiça em que as questões são tratadas com um mínimo de seriedade. Está tudo errado. Gilmar disse que as declaraçõe­s de Bolsonaro sobre as chamadas “minutas do golpe” parecem “uma confissão”. Parecem? Em Justiça não tem “parece” – ou é confissão ou não é. Pior ainda, ao expor as suas impressões pessoais, o ministro antecipou a sentença que vai dar no caso em julgamento. É proibido fazer o que ele fez. Nenhum juiz pode antecipar sua decisão numa ação ainda não julgada.

Não pode, obviamente, tomar partido contra o réu – como não poderia tomar partido a favor. Não pode se declarar parcial. Não pode, para resumir esta ópera, dar entrevista­s à imprensa dizendo o que acha ou não acha da ação que ele vai julgar. É falar “fora dos autos”. É um desrespeit­o primário à lei.

Não interessa se as afirmações de Bolsonaro, ou de qualquer outro ser vivo, parecem ou não parecem uma “confissão”. Também não interessa se as “minutas” são uma prova – ou não são nada, como alega o expresiden­te. Não interessa minimament­e, enfim, que Gilmar esteja certo ou errado em suas opiniões sobre o caso todo. Ele não tem de dizer o que acha. Tem, na hora certa, de assinar uma sentença – e até lá não pode ficar dizendo para que lado vai ser sua decisão. Em qualquer democracia do mundo, diante disso, Bolsonaro poderia sustentar que não está recebendo um julgamento subordinad­o ao processo legal. Seus verdadeiro­s juízes são Lula, o PT e o restante de seus inimigos políticos – apenas terceiriza­ram o STF para cuidar da condenação.

Como acontece em 100% dos casos como esse, o Supremo vai resolver que não há nada de ilegal na conduta de Gilmar Mendes. Não há prisões ilegais. Não há ilegalidad­e no perdão de multas bilionária­s para grandes empresas que confessara­m atos de corrupção ativa. Não há nada de errado, nunca.

Gilmar Mendes não tem de dizer o que acha. Tem, na hora certa, de assinar uma sentença

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