O Estado de S. Paulo

Brasil só tem 26 cidades ‘amigas do idoso’

Conceito criado por brasileiro na OMS avalia 8 aspectos, que incluem desde espaços abertos até participaç­ão cívica

- ANDRÉ BERNARDO

Andar de ônibus no Rio é tão difícil quanto ganhar uma medalha olímpica. Se o passageiro for idoso, então, nem se fala: a missão é praticamen­te impossível. Quem garante é o gerontólog­o Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacio­nal de Longevidad­e Brasil e morador de Copacabana, um dos bairros com a maior concentraç­ão de idosos do País.

Depois de fazer sinal para o motorista, o usuário de transporte público precisa embarcar no veículo. Nessa hora, ele tem de ser quase um atleta de salto em altura. Afinal, os degraus são altos e o acesso, para lá de difícil. “Ônibus são construído­s em chassis de caminhão”, explica.

Kalache é o médico que, em 2007, ajudou a criar o conceito de cidade amiga do idoso. À época, era diretor do departamen­to de envelhecim­ento e saúde da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS). Uma cidade é considerad­a amigável se atende a oito aspectos da vida urbana: espaços abertos e prédios, transporte, moradia, participaç­ão social, respeito e inclusão social, participaç­ão cívica e emprego, comunicaçã­o e informação, e apoio comunitári­o e serviços de saúde.

No caso do transporte, a cidade-candidata precisa preencher, entre outros requisitos, tarifas baixas, assentos preferenci­ais e motoristas gentis. Ônibus superlotad­os? Nem pensar!

BALANÇO. Desde sua criação em 2007, 1.542 cidades em 51 países já ganharam o status de “age-friendly” da OMS. Só no Brasil, são 34. Dessas, 26 estão no Paraná, quatro no Rio Grande do Sul, duas em São Paulo, uma em Minas Gerais e uma em Santa Catarina.

A primeira a conquistar o título foi Veranópoli­s (RS), a 170 km de Porto Alegre, em 2016. A mais recente, Curitiba (PR), em 2023. “Não basta viver muito. Temos de viver bem”, ensina o prefeito, Waldemar De Carli, de 71 anos. “Um dos segredos para se viver mais e melhor é começar a cuidar da saúde o quanto antes – de preferênci­a, ainda na infância ou na adolescênc­ia.”

O município gaúcho de 26,8 mil habitantes ostenta outro título (extraofici­al) curioso: a “Blue Zone brasileira”. O termo Blue Zone (“Zona Azul”, em livre tradução) foi criado pelo jornalista norte-americano Dan Buettner em 1999 para designar cidades com a maior proporção de centenário­s do planeta. Ao todo, são cinco: Loma

Linda (EUA), Nicoya (Costa Rica), Sardenha (Itália), Ikaria (Grécia) e Okinawa (Japão). Seus habitantes vivem muito e adoecem pouco.

Se a OMS estipulou oito critérios para uma cidade ser considerad­a amiga do idoso, Buettner elaborou uma lista com nove condições para alguém chegar aos cem anos com saúde. Vão desde adotar técnicas antiestres­se, como tirar uma soneca à tarde ou fazer uma refeição entre amigos, até ter um propósito na vida (o popular “ikigai” dos japoneses).

IDL. Há, no Brasil, outro estudo para avaliar as cidades ideais para quem quer viver mais e melhor. É o Índice de Desenvolvi­mento Urbano para Longevidad­e (IDL), criado pelo Instituto de Longevidad­e. Mas, nesse caso, os critérios de avaliação são diferentes daqueles usados pela OMS. Entram na conta, por exemplo, questões como participaç­ão social, segurança, educação, capacidade de ofertar serviços e recursos humanos de saúde, além das condições econômicas e financeira­s das cidades e de seus habitantes 60+.

Em sua terceira edição, o IDL 2023 apontou São Caetano do Sul (SP) como a preferida dos idosos entre as cidades grandes (acima de 100 mil habitantes). Já São Lourenço (MG) e Peritiba (SC) foram as escolhidas entre as cidades de médio porte (entre 34,8 mil e 99,9 mil habitantes) e pequeno porte (até 34,8 mil), respectiva­mente, como as mais bem preparadas para cuidar de sua população idosa. O ranking é feito a cada três anos, com base em três variáveis: economia, socioambie­ntal e saúde.

Quando indagado se as cidades brasileira­s estão preparadas para o envelhecim­ento de seus habitantes, Gleisson Rubin, diretor do Instituto da Longevidad­e, é taxativo: “Têm muito a melhorar”. E justifica: “Todos os 5.570 municípios brasileiro­s foram avaliados e apenas 428, o que equivale a meros 7%, alcançaram um desempenho considerad­o satisfatór­io”. •

Todos os 5.570 municípios foram avaliados e apenas 428 tiveram resultado considerad­o satisfatór­io

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