‘Gente rica não precisa de empréstimo’
Para ministro, novo pacote do governo olha para ‘público distante’ do presidente Lula Atual titular da pasta de Empreendedorismo iniciou o governo Lula como ministro de Portos e Aeroportos; foi governador de SP
Oministro do Empreendedorismo, Márcio França, afirma que o pacote de crédito para microempresários, anunciado anteontem, vai atender a um “miolo” de empreendedores de classe média baixa que não se identificam com o governo Lula mas que são pragmáticos.
“Não é que ele seja contra o Lula, mas ele é antipático a esse negócio de bolsa, Bolsa Família, bolsa não sei do quê. É o cara que pensa: ‘Para mim só mandam o boleto para pagar’. Então, quando você dá uma atenção especial, ele vai falar: ‘Pela primeira vez alguém pensou na gente’.”
As linhas de crédito lançadas pelo governo têm como alvo um público que não é lulista? Qual sua avaliação?
É um público que é refratário, mas com uma diferença: não é um público ideológico. Não é bolsonarista raiz nem religioso. É pragmatismo puro. Se o negócio vai bem, ele é a favor do governo. Se vai mal, é contra.
Acredita que isso pode ajudar a popularidade do Lula?
Entra numa faixa em que o Lula não está acostumado a entrar. É um público que o grosso dele, pelo menos do ponto de vista do MEI, é bem mais forte no Sul e Sudeste (regiões onde o bolsonarismo teve resultados mais favoráveis na eleição de 2022). Não é que ele seja contra o Lula, mas ele é antipático a esse negócio de bolsa, Bolsa Família, bolsa não sei do quê. Quando você dá uma atenção especial, ele vai falar: ‘Pela primeira vez alguém pensou na gente’.
Qual das linhas anunciadas
têm mais impacto na economia? O Desenrola. As pessoas jurídicas que estão enroladas ficam dependendo de agiota, de cartão de crédito. O Desenrola vai promover um alvoroço, porque é imediato, já está valendo. No ato seguinte, eu acho que o empréstimo para esse grupo de pessoas que é MEI e o micro, o Procred 360, que vai atender a um público que normalmente não consegue crédito. A diferença é muito grande no empréstimo. No banco comum, você vai pegar dinheiro a 20%, 25% ao ano contra 14% (do Procred 360). Nisso também está embutido a tentativa da gente de formalizar uma multidão. O empréstimo mais barato atrai o cara para formalidade.
Isso pode ajudar a melhorar a imagem do governo com trabalhadores de aplicativos, insatisfeitos com a proposta de formalização apresentada pelo governo?
Aquela tentativa foi só para motoristas, não para motoqueiros. O iFood sozinho tem 750 mil motoqueiros. O iFood adora a ideia de transformar todo mundo em MEI. No Mercado Livre, todo mundo já é MEI. No conceito trabalhista, o MEI é diferente, porque não é um cara com registro, FGTS, carteira, mas ele é regularizado. Se ele cair, tem a proteção do seguro. Conseguimos identificá-lo para poder ajudá-lo. Na informalidade, a gente não consegue, porque é como se ele não existisse.
O sr. acha que os bancos privados vão operar essas linhas ou elas vão ficar nas mãos do Banco do Brasil e da Caixa?
Claro que não é uma taxa sensacional, mas por outro lado é um volume muito grande. No ano passado, os bancos privados tiveram problemas graves, porque eles estão cada vez mais fechando agências e tentando trabalhar só com a elite. Eles estão sendo engolidos pelas cooperativas, que estão abrindo agência atrás da agência. Embora não seja o ideal você trabalhar com multidões e pouco lucro, às vezes não tem público suficiente. Gente rica não precisa de empréstimo. Então, quando a gente coloca esse fundo garantidor, o FGO, fica mais fácil para eles emprestarem, porque o risco diminui muito. Eu conversei com a Febraban e eles disseram que nessa faixa, no Procred, eles entrariam.
Mas a inadimplência nessa faixa também não é mais alta? Os bancos falam disso com o governo?
Falam, geralmente os menores têm mais inadimplência. Por isso eles querem sempre o FGO. Se for para emprestar só por conta deles, eles não querem. De qualquer maneira, tendo Caixa e Banco do Brasil, você tem garantida a operação.
O que diz a pesquisa do governo sobre os empreendedores?
Ela mostrou quais são os núcleos de resistência. Tem os que a gente já imagina, agro, evangélico, neopentecostal, militar. Mas o público do empreendedorismo passou despercebido, não se tinha noção de que ele era avesso ao governo. Minha avaliação é que essas pessoas não são contra o Lula ou contra o atual governo. Elas são contra qualquer governo, porque entendem o governo como o lugar que manda para elas os carnês para pagar. •
“Não é que ele (pequeno empresário) seja contra o Lula, mas ele é antipático a esse negócio de bolsa, Bolsa Família, bolsa não sei do quê. É o cara que pensa: ‘Para mim só mandam boleto para pagar’”